Futuras lembranças - I

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Um dia, quando os teus anos começarem ser cerceados pela vida, e teus olhos tiverem o brilho do arrebol e o peso de uma existência, teus passos não serão tão firmes e tuas palavras, mais baixas, ditas em um sussurro quase inaudível.

Teus erros serão mais amenos, tuas distâncias menores, teus cabelos terão a cor da brisa... Aninhada nesses fios, de constante embaraço esvoaçante.

Os teus sorrisos serão mais largos e um pouco mais abertos, quase bobos. Haja visto que os descendentes estarão sempre fascinando-nos com suas novidades - esses meninos de hoje - coisa que certamente disseram também de nós, em algumas décadas passadas.

E teus desejos serão simples.

E tuas lembranças, páginas em sépia.

Então, eu sentarei ao teu lado, lá no alto, no chalé da montanha e observarei contigo adiante na aléia o último passeio do girassol, o sorriso matreiro das marias-sem-vergonha, e o nascer da Lua Cheia, por detrás dos eucaliptos.

E teu olhar terá, ainda mais, o peso da vida, da existência e das muitas luas passadas.

Mas tua alma, de uma cor verde-água, semi-transparente, terá a idade do amor.

Estará presa à minha mão, a sua. Mesmo quando a vida vier aparar as arestas dos arredores dessas nossas montanhas, recortadas pela mão de um artista talentoso.

Será o último selo do álbum do destino, mas minha mão não se desviará da tua.

Nem mesmo nesse momento.

(Jessiely Soares)