O Azul

O Azul

Às vezes presto atenção no azul. E me vejo divagando sobre ele. Até porque, por aqui, o azul é a cor preponderante. Só o azul me interessa. Não perco as minhas cores mas quero me envolver no azul como quem se encolhe numa manta de veludo. Quero aspirá-lo munido de sucção romântica e supersônica. Voar através dele sem esforço, sem bater de asas, simplesmente planar em todos os seus ângulos, sentindo-o de leve sob a pele e de modo intenso sobre os olhos. E vice- versa, porque o azul tem uma inteligência de cores tão atrativas quanto um abraço envolvente. E que entre os meus olhos castanhos e o azul das coisas ocorra tão apenas uma simbiose antiga, tácita, repleta de ternura e átomos. Átomos azulados. Que correm e descem, andam ligeiro ou mesmo saltam, de um matiz a outro, proclamando através dessa dinâmica turqueza-marinho-celeste que são cheios de si e cheios de truques.

Os átomos azulados conhecem muito bem suas versatilidades. E como são claromutantes, me deixam boa parte do tempo lúcido, embevecido, completamente nutrido. O azul é um tônico. E veja, se for possível pisar descalço sobre ele só para constatar que a planta dos meus pés e a sua superfície inexata nasceram para a gratuidade desse encontro, que seja. E, também, se for permitido comê-lo, sem volúpia ou voracidade mas antes e plenamente, com o respeito amplo e hesitante daqueles que se preparam para saborear uma iguaria absoluta, sutil, transparente, que seja. A relação entre nós, e que fique estabelecido desde já, não é a da conquista mas a de um namoro terno que se engole contínuo. A verdade é que vivemos nos manifestando mutuamente, cientes, tanto eu quanto ele, da dependência que nos exercemos, e da inexata ciência de só existirmos um para o outro.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 20/02/2008
Reeditado em 09/11/2013
Código do texto: T867452
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