A SEMENTINHA ( Celismando Sodre - Mandinho)

A SEMENTINHA

Eu me adentrei pelo mundo da leitura, por volta dos 10, 11 anos, quando recebi da minha madrinha e tia chamada Mirinha, que trabalhava na livraria da Paróquia da cidade de Barra do Mendes, um simples, desconhecido e fundamental(para mim) livro infantil com o título de “ A Sementinha”.

A história daquele livro fascinou por completo a mente sonhadora e fantasiosa de um garoto tímido e introvertido como eu era e ainda sou; posso dizer agora que mudou completamente minha vida, por ter possibilitado viagens incríveis para outros mundos, realidades, dimensões e para dentro do meu próprio universo interior, através desta e de outras experiências literária futuras.

O enredo era comovente e de fácil compreensão. Era a história de uma sementinha que desejava desesperadamente ser fecundada, sendo levada pelo vento de um lado para o outro temendo cair em lugares áridos e inférteis, o que fatalmente causaria sua morte prematura, sem a oportunidade de cumprir seu nobre propósito de nascer, crescer e dar frutos. Lembro do meu sofrimento e da minha torcida para que tudo desse certo para aquela semente da qual jamais esqueci. Torcia desesperadamente para que ela encontrasse o seu oásis para que crescesse e multiplicasse.

Analisando hoje, no ápice da minha fase adulta, com as decisivas mudanças sentimentais que ocorreram durante todo esse tempo passado, com um coração mais endurecido devido aos obstáculos, mais ainda envolto de ternura, compreendo a metáfora daquele simples livro de uma forma mais clara e objetiva. Quantas sementes humanas, crianças e jovens, vagam pelo mundo a procura de fecundação. são carregadas pelos ventos do destino e são atravancadas, amordaçadas por uma sociedade materialista e hipócrita, com suas estruturas corrompidas que não concede oportunidades iguais para todos?

Muitos crescem sem chances de dar frutos, mostrar suas potencialidades, cumprindo o seu ciclo natural, vítimas das “infertilidades” sócio-estruturais, não desenvolvem seus dons artísticos e intelectuais por falta de escolas de boa qualidade ou porque são provenientes de famílias desestruturadas e miseráveis ficando pelo caminho dos desertos político-sociais criados pelos seres humanos. Claro que, alguns, corajosamente, vencem as adversidades naturais e políticas e desbravam os seus caminhos para a realização dos seus sonhos e para o sucesso, como a valentia de um mandacaru no semi-árido do sertão.

Voltando ao garoto, depois daquele “bendito e providencial” livro, “A Sementinha”, adquiri o hábito da leitura; não perdi mais oportunidades para ler: Gibis ( Faroestes, Walt Disney, super heróis ) romances ( Machado, Alencar, Amado, Graciliano, etc) Poesias, Literatura de Cordel, revistas, papéis achados no chão. Leituras que ajudavam a dar vazão a minha imaginação, ocupando meu tempo de forma produtiva e eficiente numa época que não existia TV, Internet, Vídeo Games e outros aparatos eletrônicos e as opções de lazer eram restritas. Por isso tenho uma grande preocupação com o juventude atual, onde uma boa parte parece desprezar o livro que ainda é insubstituível para a formação intelectual das pessoas, por ser de fácil manuseio e possibilitar verdadeiras viagens dentro da galáxia de Guttemberg. As novas mídias são importantes e devem ser cada vez mais utilizadas, mas o lugar do livro é fundamental neste caminho da formação literária, por permitir idas e voltas dentro do texto, por atiçar imaginações que vão além das idéias e da história do autor.

Quando tive que migrar da minha cidade Barra do Mendes, já rapaz, me desloquei para Brasília, indo morar na casa da minha saudosa Tia Maria e seu esposo Sinhorzinho, falecido recentemente, os quais agradeço até hoje pelo acolhimento carinhoso. Fui em busca de trabalho e melhores condições de vida. Lembro-me de um episódio que ocorreu comigo quando trabalhava de “Cobrador de Ônibus”. Sempre levava um livro para ler nos intervalos entre os pontos de Ônibus, livros estes que conseguia na casa do primo, o Professor Milton Sodré, homem culto, adepto e incentivador da leitura.

Estava eu lendo um dos clássicos da literatura mundial, sentado na cadeira de Cobrador, quando um sujeito engravatado entrou e começou a me observar, vindo depois a falar comigo, dizendo: “quero lhe parabenizar”, fiquei espantado meio sem entender o porquê e ele continuou: “estou vendo que você está lendo “Crime e Castigo” do grande escritor Russo Dostoievsky”, agradeci pelo reconhecimento e ele continuou a prosa: “ sou professor do curso de jornalismo e desde o início do ano letivo que venho pedindo aos meus alunos para ler este e outros clássicos da literatura mundial, e até hoje só um aluno me revelou já ter lido este que você esta lendo... você está de parabéns”.

Depois daquele episódio, cheguei a conclusão de que para quem quer estudar e ler sobre os grandes escritores da literatura mundial, não falta tempo e espaço. Precisa-se ter apenas um pouco de dedicação e esforço para vencer as adversidades. É só lembrar do nosso maior escritor, na minha opinião, o grande Machado de Assis, que de origem humilde, mestiço numa época em que a escravidão predominava em nossa sociedade preconceituosa; venceu pela sua perseverança e força de vontade se tornando um verdadeiro clássico das letras no Brasil e no mundo.

Atualmente fico muito preocupado quando vejo que a freqüência de leitura do nosso povo, principalmente dos jovens e estudantes ainda é bastante aquém do que poderia ser. Lemos, em média bem menos do que países como Argentina, Chile, Venezuela, Uruguai e outros vizinhos, só para citar o exemplo da América do Sul. Valorizamos pouco esta prática tão saudável e essencial para a conscientização do cidadão e para o progresso de uma nação. Esta constatação é triste por que todos sabem que a leitura e o nível educacional estão diretamente ligados ao desenvolvimento sócio-cultural e econômico de uma determinada sociedade.

Nos meus devaneios, fico imaginando a situação de ter que morar numa ilha deserta, isolada de mundo. Quem eu levaria e como poderia passar o tempo de maneira que pudesse aliviar o tédio e a monotonia. Se tivesse que escolher, levaria meus filhos e esposa, além da família e alguns poucos amigos se fossem da vontade deles. Porém, seria imprescindível uma grande coleção de livros, uma farta biblioteca para meu deleite e para minhas reflexões. E se tivesse então um exemplar do livro infantil “A SEMENTINHA”, meu primeiro degrau literário, este ficaria guardado em um lugar especial, por ter sido a chave de uma porta que se abriu para o universo, expandindo minha mente.