MULHERES DA PRIMEIRO DE MARÇO
Ah! Tenho a impressão que são as mesmas...
Os mesmos rostos que já vejo há anos,
estampando sempre uma indisfarçável solidão,
são os rotos rostos tristes das mulheres
das janelas da Primeiro de Março
como se a espreitar um tempo que nunca chega...
Mulheres para as quais,
quando por ali passo apressado
e sem paradas,
sou mais um sonho que vai,
um homem que não fica,
um freguês que não se fez freguês...
São de uma nudez incrível
aquelas mulheres e suas janelas
que quase nunca se fecham
(as janelas),
pois aquelas mulheres estão sempre fechadas,
mesmo quando abertas nos leitos
alugam os seus corpos para sobreviver...
Aos transeuntes pedem cigarros
mas nos seus interiores,
no mais recôndito de suas almas,
o que almejam é o direito de viver,
quem sabe outra vida
ou a mesma com mais dignidade,
com mais conforto,
que é o que não há
na solidão dos sombrios interiores
das pobres e decadentes pensões baratas
da Primeiro de Março...
Elas, de todas as idades,
são mulheres
e nada mais que mulheres...
Todas envelhecem cotidianamente
vendo de suas janelas
suas ilusões desaparecerem
como os seus fregueses eventuais
que fazem amor e promessas
e partem para nunca mais...
Belém, agosto de 1964