mInHa ViDa Em VeRsOs (Parte 01)

Minha mãe

Minha mãe era muito nervosa

Tínhamos com ela todo o cuidado

Passei um ano sem sair

Para ficar ao seu lado

Pensava sofrer do coração

Mas era mais nervosismo

Depois de velha melhorou

E saiu do ostracismo

Ela era tão nervosa

Que não soube aproveitar a vida

Depois de velha, coitada

Mostrou-se arrependida

O tempo passa muito depressa

Não se pode voltar atrás

Não adianta se arrepender

Do que em moça não se faz

Meu pai

Meu pai era bondoso

Muito alegre e brincalhão

Ria a mais não poder

Se aprontava confusão

Primeiro de abril, para ele

Era de farra e alegria

O tio que sempre morava conosco

Nas mentiras sempre caía

Levantava bem cedo e fazia o café

Depois ia à casa de seus pais

Bater papo com a família

E também ler os jornais

Gostava muito de ler

E com ele me acostumei

Mas por ser homem não era impedido

E me casando, me estrepei

Meu avô paterno

Meu avô era moreno

Muito sério e caladão

Mas dentro daquele peito

Batia um bom coração

Às vezes fingia dormir

Mas não cochilava não

Ao seu neto insolente

Deu uma boa lição

Pensando que ele dormia

Fazia-lhe caretas e dava risadas

Quando menos esperou

Levou boas chicotadas

Minha avó paterna

Minha avó era clarinha

Muito meiga e carinhosa

Olhos azuis, cor do céu

Dos filhos mãe amorosa

Era tão carinhosa e amiga

E de tão bom coração

Que a gente ao vê-la de longe

Corria a beijar-lhe a mão

Se os filhos adoeciam

Ela ficava apavorada

Trazia-os para a sua casa

Para ficava sossegada

Ali todos ajudavam

Tratar bem o seu doente

Enquanto não estivesse bem

Não queria vê-lo ausente

Era amiga dos pobres

E aos doentes dava atenção

Remédios e alimentos levava

Com a maior dedicação

Ela e vovô eram católicos

À missa nunca faltavam

O padre não começava a missa

Enquanto eles não chegavam

Eles eram tão amigos

Que não podiam estar separados

Onde um deles estivesse

O outro estaria ao seu lado

Romantismo

Os versos que vou contar

Faço-o por mera troça

São coisas que aconteceram

Quando eu morava na roça

Eu era romântica e sonhadora

Lia romances e jornais

Vivia sonhando acordada

Alimentando meus ideais

Sonhava com príncipe encantado

Que viria me buscar

Num lindo cavalo branco

Par com ele me casar

Apareceu em minha casa

Não o príncipe com quem sonhei

Num feio cavalo montado

E foi com ele que me casei

Não me prometeu um castelo

Mas uma casa arranjada

Velha, vazia e grande

E muito mal arrumada

Na cozinha não tinha nada

Apenas enorme fogão

Nem uma mesa sequer

E me deixou em confusão

Panelas também não tinha...

Mas para que panelas?

Se não tinha sequer

O que colocar dentro delas

Nunca vi na vida

Casamento igual ao meu

Vou lhes contar direitinho

Como tudo aconteceu

Fui procurar na dispensa

Apenas lá encontrei

Um quilo de cada coisa

O que mais me admirei

Não encontrei mais nada

Fiquei apavorada

Recorri à minha mala

E encontrei-a arrombada

Lá encontrei sim

Coisas para comer

Que eu havia levado

Sem nada disso prever

A minha mala arrombada

Estava toda remexida

Fiquei muito implicada

Com gente tão atrevida

As aparências iludem

E eu fui muito iludida

Que havia muita coisa

Para começar nossa vida

A casa não tinha nada

Nem vasilha, nem comida

Comecei a ter fome

E me sentir arrependida

Não sei se é pouco caso

Que quiseram fazer de mim

Eu penso que é desmazelo

Ficaram taxados assim

Que fosse tudo simples

Eu não me importaria

Se tivesse o que comer

Se a dispensa não estivesse vazia

Apanhei um bule de louça

Que de seu padrinho ganhou

Foi só colocar o café

O bule todo trincou

No primeiro dia de casada

Fiz almoço para nós dois

Esperei o dia inteiro

E ele chegou muito depois

Ele já tinha almoçado

Na casa de seu tio

Não senti mais fome

Fiquei com o estômago vazio

Foi falta de consideração

Eu fiquei aborrecida

Passei o dia inteiro pensando

O que fiz da minha vida

(CONTINUA...)

Vovó Zezé (Maria José Furtadinho Sarmento)
Enviado por Vovó Zezé (Maria José Furtadinho Sarmento) em 02/02/2008
Reeditado em 11/02/2008
Código do texto: T842992