Questão de preferência
Muito me alegra, nessa vida, um prato de arroz com feijão e jiló pra comer, um par de sapato vermelho pra calçar, uma multidão pra eu andar no meio, uma rede pro meu descanso, com uma gaita tocando ao longe.
Na mata, ouvir barulho de passarinho, de inseto, água de corredeira ou cascata. Ficar espreitando os bichos, a natureza, eu mesma encantada com tanta belezura: é quase morrer de tanto gosto.
O que me faz triste, no entanto, é ver ser humano amontoado, enjaulado, morrendo de doença e descaso. É ver gente fazendo exagero, coisa além da conta, pro seu próprio e alheio mal: na bebida, na comida, na mentira, no roubo, na preguiça, na compra, no apego, no desperdício, na displicência, no viver sem consciência, no viver por viver.
Também não gosto de me ver pasma, de falar um pouco e depois me calar e ser cúmplice ou conivente, na omissão; disso eu não gosto.
Não gosto de olhar de frente meus erros, uns grandes, outros pequenos, assustando os outros, desiludindo, acanhando sentimentos de pureza dos de boa intenção.
Nessa vida tem mesmo é gosto e desgosto pra tudo, pra todas as horas e ocasiões; é só querer botar reparo na gente e nos outros pra ver como são diferentes as preferências. E fazer questão de conservar na gente o que é genuíno e inofensivo e deitar fora o que não presta e azeda ou apodrece a gente, se conservado.