É tarde.
O relógio da Catedral tocou meia-noite. A noite estava calma e o som das baladas se perpetuou na escuridão.
"É tarde", os tinidos me disseram. "É tarde" – eu concordo. "É tão tarde que sei que a perdi".
Mas se pode perder algo ou alguém que talvez nunca tenha sido seu? Que sempre lhe escapou pelos dedos enquanto, inutilmente, se tentava reter, como a areia da praia ou, como o próprio tempo? Não importa. É tarde até mesmo para refletir.
Olho para as ruas vazias da Paris imaginária que se transformou meu coração. É nele, o ano de 1.820 e o Sena cintila sob meus pés. Estou a esmo.
Perdi a carruagem, perdi as passagens e agora vago pelas ruas lúgubres e úmidas. Meu coração é um cemitério de amores mortos, de covas maltratadas pelo tempo e de ervas daninhas cobrindo os telhados dos mausoléus. O ar está impregnado com o cheiro de podridão. Me sinto como Caronte. Amei mil amores e os vi morrer um a um.
Então me lembro de você e sou tomada por um tumulto e uma violência de batidas, tais quais a do relógio da catedral. E chove, chove tanto, que preciso de um momento para retomar o passeio.
Sou agora um lobo, que vaga pelas florestas densas do leste Europeu. Meu uivo solitário para uma lua distante é como um agouro que parte o céu em dois.
Meu coração é uma terra hostil e profunda - um lar de corvos furiosos e de feras selvagens.
Nunca achei que amaria de novo. E quando amei, foi melhor do que não ter amado, mesmo tendo perdido. Ainda dói. Mas dói menos do que antes. Dói menos a cada vez que te vejo, minto.
Dou um sorriso, mas a certeza de que perdi, de que já é tarde caiu novamente sobre minha face. E o relógio me lembra mais uma vez: é tarde, é o que me contam seus olhos.