O 189º
Não sei quem foram.
Não sei se leram até o fim.
Mas sei que, em algum momento,
3908 olhos se voltaram pra dentro de mim.
Vieram devagar.
Como quem entra em casa alheia com os sapatos na mão.
Não me aplaudiram.
Não deixaram bilhetes.
Mas deixaram pegadas.
Foram 188 vezes que abri a porta.
Cada texto, uma sala diferente.
Alguns acenderam luzes.
Outros só deixaram a janela entreaberta.
Eu escrevi para costurar silêncios.
Para falar comigo mesmo e, quem sabe,
alguém escutar por acaso.
Hoje, enquanto escrevo,
não sei se alguém vai ler.
Não sei quantos chegarão até aqui.
Talvez ninguém.
Ou talvez só um —
e já seria o suficiente.
Esse é o 189º.
Ele nasce sabendo de tudo que veio antes,
mas sem nenhuma garantia do que virá depois.
Nasce no escuro.
Com olhos abertos.
E espera.
O número continua o mesmo: 3908 leituras.
Por enquanto.
Mas o tempo gosta de brincar com certezas.
E talvez, quando você terminar de ler isso,
ele já tenha mudado.
Talvez o próximo número seja você.
Talvez esse texto exista só por isso:
pra que você o complete,
mesmo que sem querer.
E sigo.
Não pelos números,
mas por esse lugar secreto entre um texto e um olhar.
Porque ali — exatamente ali —
é onde me tornei
escritor.