Entre garras e suspiros
Ela, pele de marfim, olhos que sabiam mais do que diziam. Sentava-se toda noite à beira do abismo, onde a luz não ousava tocar, e esperava - não por salvação.
A ele, chamavam de monstro. Mas ela nunca usou esse nome. Para ela, ele era silêncio com forma, trevas que conheciam seu verdadeiro nome antes que ela mesma o soubesse. Tinha garras e presas pontiagudas, olhos que brilhavam em um vermelho que não ameaçava, mas consumia.
Quando ele se aproximava, o ar mudava: denso, quente... e ela sorria, não com os lábios, mas com a alma. Tocava-lhe o rosto carcomido como quem lê um segredo antigo, e ele se inclinava, não por fraqueza, mas por desejo.
Nunca falavam, palavras eram frágeis demais. Ela sentia o calor úmido do hálito dele em seu pescoço, mas não recuava. Ele sentia o perfume dela, doce como carne viva e pulsante, mas não avançava, não precisava. Em sua dança muda, entre a beleza intacta e a monstruosidade sem nome, havia um pacto silencioso, nem de amor e nem de medo, mas de pertencimento. Era como se fossem dois lados da mesma ausência.
Naquela noite, como em outras tantas, ela fechou os olhos e encostou a cabeça em seu peito disforme. Ele a envolveu com braços que jamais tocaram outra sem destruir, mas nela, apenas estremeciam.
E assim ficaram: dois opostos unidos, não pela lógica, mas pelo desejo de existirem juntos - mesmo que o mundo inteiro preferisse sangrar do que permitir.