O Guardião do Limbo
Existe um momento da vida em que o silêncio começa a gritar: geralmente por volta dos quarenta, quando já se tem uma carreira razoavelmente sólida, com filhos ou não, algum patrimônio e experiências acumuladas - é como se o tempo começasse a apertar o cerco. O que antes era conquista, agora pesa como exigência. O que antes era sonho, hoje se apresenta como dúvida: “Era isso mesmo que eu queria, ou apenas segui o roteiro?”.
É nesse ponto que muitos se deparam com uma figura arquetípica e silenciosa, o Guardião do Limbo. Ele não fala, apenas observa, com olhos profundos e impassíveis, os que chegam à beira da existência estruturada e percebem que por baixo do verniz do sucesso há um vazio que não se preenche com viagens, carros ou redes sociais bem alimentadas.
O Limbo, nesse contexto, não é um inferno nem um paraíso. É um entrelugar, uma zona suspensa entre o que se construiu e o que não se ousou viver. O Guardião está ali não como carcereiro, mas como espelho. Ele reflete aquilo de que muitos fogem: a sensação de que a vida, apesar de plena de eventos, carece de sentido.
O desejo humano é um campo minado, e a realização total é uma miragem. Somos faltantes por natureza, e essa falta é constitutiva. Saber disso intelectualmente não basta quando se acorda no meio da noite, com a angústia esmagando o peito, ou quando se percebe que os relacionamentos, por mais estáveis que sejam, já não tocam as partes mais íntimas do ser.
Estamos condenados à liberdade, o que significa que, mesmo quando escolhemos não escolher, ainda estamos exercendo uma escolha. E daqui, dos quarenta, muitos percebem que viveram no piloto automático por tempo demais, obedecendo expectativas alheias, modelos familiares, padrões de sucesso herdados de uma sociedade que idolatra a performance e marginaliza o sentir.
Então, surge o questionamento mais doloroso: “Quem sou eu fora dos papéis que desempenho?” Profissional competente, pai ou mãe dedicado(a), parceiro(a) fiel - máscaras mais do que legítimas, mas, ainda assim, máscaras. E quando elas começam a escorregar, o que emerge debaixo delas?
O Guardião do Limbo não responde, apenas sustenta o olhar. Nessa ausência de respostas, a pergunta se aprofunda. Talvez o que falta não seja algo a mais, mas algo de volta, uma reconexão com aquilo que foi esquecido: desejos simples, curiosidades genuínas, sonhos que foram engavetados por parecerem tolos ou impraticáveis.
Alguns, diante dele, voltam atrás. Reforçam suas rotinas, anestesiam o incômodo com distrações. Outros, porém, decidem atravessar o Limbo, sem mapa e sem garantias, apenas com a coragem de se despir das certezas e caminhar rumo a uma vida mais autêntica - onde talvez não haja tantos aplausos, mas ao menos haja verdade.
No fundo, o Guardião do Limbo não está ali para barrar a passagem, quer apenas saber se quem chega até ele está pronto para encarar a si mesmo. Poucos estão, mas os que o fazem, não voltam os mesmos.