SOBRE QUEM FALA A DOR?
A dor fala daquele que a sente ou daquele que a provoca?
A dor fala pelo grito,
Fala também pelo silêncio;
A dor fala pelos dentes cerrados,
Pelas mãos que apertam as bordas da cama;
Pelas lágrimas que escorrem;
Pelo olhar que clama por alívio;
Pela oração desconexa que representa a fé.
Diante da dor não é só o sentir,
mas também um intenso refletir.
Por vezes desconexo,
porém sempre em busca de alívio.
Você não erra,
você deixa de acertar.
Você não erra,
você chega ao limite do possível.
É quando você sai de cena
e outro entra em ação.
Agora é a vez de outro,
que pode não obter êxito.
Então será a vez de Deus.
Sempre é a vez de Deus.
O médico estava alterado.
Perguntou ao paciente de forma agressiva:
- Tu não fazes a higiene das partes íntimas, não?
O doutor estava com problemas.
Só poderia estar.
Ele não deveria tratar o paciente daquele jeito.
O rapaz deitado na cama respondeu:
- Tomei um banho quente, completo e cheiroso, antes de vir para o Hospital.
O doutor se esquecera de que a cura não vem só pelas mãos.
A cura vem pela boca;
pelas palavras que ela profere
e que propõem esperança.
O rosto do médico estava duro, fechado.
Percebia-se que ele era um homem de poucos sorrisos.
Podia conhecer os caminhos da sua especialização para a solução do problema, mas sua atitude e gestos denunciavam uma ponta de soberba que começava a nascer.
Ele era um médico novo e seria, no futuro,
algoz indesejado de muitos doentes.
Iniciou os procedimentos.
A enfermeira adiantava silenciosamente seus pedidos apresentando os itens necessários.
De vez em quando ele fazia uma solicitação;
- Este não está funcionando. Precisaremos testar outros tamanhos.
A enfermeira concordava com a cabeça.
- Essa droga de paciente não ajuda!
A moça, com olhos inquietos, fitou-me.
Respondi também com o olhar.
Estava sofrendo e todas as minhas atitudes eram decorrentes do que estava passando nas mãos daquele profissional.
Os instrumentos continuavam sendo introduzidos na minha uretra.
- Passa a 22, de silicone.
O médico agia com firmeza e pressa.
Mudava de procedimento e instrumental ao sabor de sua interpretação dos acontecimentos.
Ele introduzia o alargador e socava.
Eu tentava me segurar, mas estava tenso.
A esposa disse-me:
- Relaxa. Aguenta firme. Tá quase!
Eu me esforçava, mas os gemidos eram inevitáveis, como as contorsões e enrigecimento do corpo.
A certa altura dei um grito de dor.
A xilocaína não era o bastante.
O médico me repreendeu:
- Eu avisei que não seria fácil!
Olhei para ele com cara de sofrimento e revolta.
Ele prosseguiu:
- Eu avisei que iria doer. Não precisa gritar!
Nem todo grito é controlável.
O grito é uma resposta da dor.
Além disso, onde que está escrito que avisar que vai doer não faz doer?
Continuei refletindo ensimesmado.
O grito fala daquele que o emite ou daquele que o provoca?
O grito é a reação do corpo quando a dor da agressão sofrida chega a alma.
Não hesitei e perguntei ao jovem aprendiz de "deus":
- Meu grito não fala só de mim, né? Fala também um pouco do senhor, da sua insegurança...
Ele olhou para mim um tanto perplexo e arrematei:
- Não se preocupe! Meu grito fala da minha dor. Ninguém conhece a dor do outro. Toda dor é única e cada indivíduo tem capacidade diferente de absorver a dor. Faça a sua parte, dê o seu melhor e serás feliz tornando seus pacientes felizes e satisfeitos. Muito obrigado!
O jovem médico largou-se na vazia cadeira da acompanhante e chorou.
Nova Friburgo, 24 de fevereiro de 2025 - (01:35).