PENSAMENTO ALADO
Há um pássaro de asas translúcidas que habita os meus silêncios. Não é ave comum: suas penas são feitas de sílabas não ditas, de versos que se escondem entre as nuvens do crepúsculo. Ele voa, não pelo céu, mas pelos interstícios do tempo, sondando as fendas do universo imaginário, onde as estrelas são sussurros e os cometas, risos antigos que riscam o vazio.
Seu bico afiado abre cicatrizes nas paredes do éter, deixando escapar luzes que ninguém nomeou. Cada batida de asa é um verbo novo, uma metamorfose: as palavras, inertes e pálidas, derretem-se em rios de melodia, vertendo emoções que os lábios jamais ousariam pronunciar. Assim ele tece a cartografia do invisível, costurando realidades paralelas com fios de névoa e desejo.
Nas voltas desse voo, ele carrega verdades que doem como ausência , não as verdades gritadas, mas as que se escondem sob a língua, fermentando em segredo. E, quando pousa nos corações alheios, não bate asas: Insinua, deixa cair, leve como pólen, lembranças de amores que talvez nunca tenham sido vividos, mas que habitam, intactos, na sombra de cada peito.
Às vezes, penso que ele é um deus menor, esquecido nos confins da criação, condenado a traduzir o indizível. Outras, creio que sou eu mesmo, desdobrado em plumas e mistério, buscando nas frestas do cosmos a centelha que justifica o voo.
E enquanto ele perscruta abismos e constelações, descubro, enfim, que o imaginário não tem fundo, apenas asas, infinitas asas, desdobrando-se em espiral, levando consigo tudo o que um dia tentei calar.