Inferno mimado
Estão ali, sentados lado a lado, feito móveis desgastados em uma sala sem visitas, onde o café e o chá esfriam nas canecas, a TV murmura uma notícia sem importância e o tempo, carcereiro cruel, arrasta correntes invisíveis.
Ele a olha sem olhar e ela responde sem ouvir. Estão juntos apenas porque sempre estiveram. Partir exige esforço, e o silêncio já se acomodou entre seus ossos - como um gato velho, gordo e preguiçoso.
Nenhuma briga, nenhuma explosão, apenas o marasmo (bem-vestido e perfumado), caminhando pela casa como um fantasma entediado em um inferno sem chamas, sem gritos, sem dores visíveis: um inferno mimado, onde não se sofre o bastante para partir, mas também não se é feliz o suficiente para ficar.
As mãos não se buscam, os corpos não se chamam, qualquer toque é um acidente - um esbarrão casual, uma lembrança de que um dia já foram vivos. As palavras são medidas, contadas e descartáveis. De noite, ao se deitarem lado a lado, as costas falam um idioma antigo, o do abandono sem despedida.
Não há traição e nem ódio, apenas a ausência de tudo. O nada vestido de rotina, um amor que nunca foi amor, mas que aprendeu a sobreviver como um cachorro velho que não conhece outro dono.
Dia após dia, noite após noite, não se pertencem e nem se perdem. Navegam juntos em um oceano seco, onde a única tempestade que poderia salvá-los é aquela que nunca vem.