Carta para Van Gogh
Caro Vincent,
Escrevo de um tempo que você não conhecerá, mas onde sua presença é como uma sombra que ainda ilumina. Há algo de cruel na beleza que criou, pois ela nasceu do abismo, e há algo de sagrado na sua dor, pois dela brotou um mundo de cores que ninguém mais poderia ver.
Dizem que era louco, mas talvez fosse apenas lúcido demais para suportar a mediocridade do real - o que é a sanidade senão um pacto com o ordinário? E você recusou esse pacto, pintou a febre, o silêncio das estrelas, o grito das flores, a vertigem dos campos de trigo. Tocou o infinito com pinceladas que não respeitavam as bordas do mundo.
Mas o mundo, Vincent, é um lugar surdo: ele não ouviu seus girassóis gritando sua sede de luz. Ele não viu, em suas noites estreladas, a busca desesperada por um Deus que te abandonou. E quando ele finalmente se voltou para você, era tarde. A glória póstuma é o aplauso de quem nunca entendeu a peça enquanto ela acontecia.
O que eu lhe diria se pudesse atravessar o tempo e colocar esta carta em suas mãos trêmulas? Que a dor não é inútil, pois dela nascem auroras? Que, apesar do desespero, sua existência encontrou sentido em cada tela? Ou, talvez, falasse apenas: “Você não está sozinho".
Mas você estava, não estava? E, no entanto, sua solidão criou companhia para todos os solitários que viriam depois.
Descanse, Vincent. Aqui, neste tempo que nunca verá, ainda há olhos que lacrimejam diante de suas cores.
Com afeto, um estranho que te compreende.