Dia de Mulher

Longe, bem longe, num recanto muito além do alcance dos olhos, onde o horizonte se dobra sobre as colinas, encontramos, depois de horas de caminhada, uma pequena planície. Ao centro, uma velha casa, coberta por palhas; tão pequena, que quase não se podia notar entre as árvores que a rodeavam. E foi ali que toda história começou...

Ela menina morena, pele marcada pelos raios do sol, cabelos pretos lisos, pouco abaixo dos ombros; formas perfeitas, como se torneadas pelas mãos de um mestre escultor. Olhos negros profundos, de certeza discreta e a mesma inocência daquele lugar.

Lá fora, o silêncio imperava, algumas vezes quebrado pelas rajadas do vento, que anunciava o fim de mais um dia de rotina...

Deitou-se cedo, como de costume, sem saber que aquela noite mudaria o rumo de sua vida.

Apenas a luz branda da vela iluminava parte do quarto e pela janela entreaberta, entrava um sopro suave da brisa, que varria aquela planície deserta.

Inexplicavelmente, a brisa soprou forte no seu ouvido, murmurando sons que só ela podia entender; isso a acalmou.

Deslizou em seus contornos suavemente, como se fosse toque das mãos e ela permitiu.

Arrepiou todo seu corpo, como nas manhãs de inverno e o calor da vela a aqueceu.

Jogou seus cabelos de um lado para o outro, como se fosse uma embarcação à deriva; deixou-se conduzir.

Rolou por sobre ela, como folhas em tardes de outono; não relutou.

Dobrou-se sobre sua nudez, como fazia com as árvores nas planícies desprotegidas; assim, a excitou.

Penetrou por entre ela como na fenda da janela; sentiu grande prazer: Ela com a brisa. A brisa com ela.

Adormeceu e aconteceu que a noite assim, então findou...

Esperou, ansiosamente pela noite seguinte e a outra, e todas as que se seguiram e a brisa não mais retornou... Sentiu-se em grande tristeza; tão imensa que dali partiu pra nunca mais voltar.

Alguns dizem que ouviram o vento soprar, como se chamasse por seu nome.

Outros afirmam que a viram caminhar em direção as colinas mais distantes.

E teve mesmo quem dissesse que montou na garupa de um boiadeiro solitário que passava pelo caminho.

Talvez, de forma mágica, tenha soprado com o vento e flutuado no topo das árvores.

Talvez, ido a procura do seu reencontro em escalada nas montanhas.

Ou talvez tenha simplesmente decidido se tornar Mulher...