[O Brejo dos Sonhos]

Estou cansado do sol, tenho ânsias...

Quero escrever um verso raso, cortante,

que traga a noite aos meus olhos.

Habito a escuridão, vivo em labirintos;

ocultas em meu ser, há cavernas geladas

onde habitam estranhas alteridades minhas;

espanto-me, após cada noite bebida,

com os demônios dessas regiões abissais,

dizem coisas que eu jamais diria à luz da razão;

e talvez por isto, estranhamente por isso,

habituei-me a fugir da lucidez...

Nas noites antigas, eu era capaz de sonhos,

eu percorria, em êxtases, a Via Láctea,

as águas corriam claras, cantantes,

e eu sonhava um felicidade sem nomes.

Mas o amargor do tempo endureceu-me,

e então, vi-me na estrada sem lua,

cavalgando só, rumo ao nada.

agora compreendo, enfim, que a vida

é o reino do absurdo, o repasto da morte.

Quando tomei tento de mim,

vi que eu tinha um corpo que me portava,

mas percebi que este portador de mim,

era fraco, era nada e tinha as mãos vazias;

vi-me entre escombros de construções,

e só então compreendi o inevitável:

e todas as estrelas dos meus sonhos

tinham caído no barro escuro, pegajoso,

e perderam-se entre tristes lirios brancos.

[E ao final, como era de se esperar,

o brejo escuro trescala a morte.]

[Penas do Desterro, 18 de janeiro de 2008]