O que não se vê
Olho pela janela e vejo as flores. Simples, bonitas, prontas para serem vistas. Uma janela é um convite perigoso: ela mostra um pedaço da vida e mente que aquilo é tudo. Quem olha de fora pode pensar que as flores nasceram porque era a hora — como se a beleza fosse um acontecimento natural, sem luta, sem esforço, sem passado.
Mas ninguém vê as raízes. O que está sob a terra é tão real quanto o que floresce, mas é invisível. Penso nas pessoas — porque sempre penso nelas — e vejo o mesmo. O que elas mostram é o que já desabrochou. Um sorriso, uma palavra, uma casa arrumada, a quietude de um domingo. De longe, tudo parece simples. Talvez seja isso que incomoda: essa simplicidade aparente, que engana. Quem olha pensa que entendeu.
Não entendeu. A vida de alguém é mais do que aquilo que aparece na superfície. É a criança que um dia foi, o medo que sentiu no escuro, as mãos que desistiram e voltaram a tentar. É o silêncio que engoliu para não ferir, é a resposta que nunca deu. É um dia, anos atrás, quando ninguém estava olhando, e ele estava ali, apenas existindo, criando raízes. Porque é isso que a gente faz enquanto não desabrocha: cria raízes.
A vida é feita dessas coisas pequenas e invisíveis, mas quem quer ver o que não se mostra? A visão apressada só vê flores. As raízes? Nem se pergunta. Elas não servem para decorar, são sujas, fundas, enterradas. Mas são elas que seguram tudo.
Se alguém me olha, o que vê? Talvez o mesmo que eu vejo nas flores: um pedaço. A superfície. O que já veio pronto. Mas por dentro, há o emaranhado das raízes. Há a minha vida, e essa ninguém conhece inteira, nem eu mesmo. As pessoas me definem como quem olha por uma janela, e eu as defino da mesma forma. Somos todos feitos de flores visíveis e raízes invisíveis.
Fecho a janela. Não porque desisti de olhar, mas porque percebo que o que importa, eu nunca vou conseguir enxergar.