Tempo

Olho para a janela pela manhã e sinto algo a me incomodar. Entrevejo nas possibilidades que poderiam justificar tal sensação. Enquanto pensava nessas possibilidades, escuto alguém à bater em minha porta e movido pela curiosidade, encaminho-me à maçaneta, e, ao tocá-la, sinto um arrepio e um frio no ar. Ao abrir aquela porta, um turbilhão de pensamentos invade minha mente em meros dois segundos, e para minha surpresa, vejo um velho conhecido que voltou para me atormentar: o tempo.

Paralisado naquela porta, encaro aqueles olhos profundos, onde sinto o próprio abismo a me encarar. De sua boca anciã, ecoa a pergunta, daquela velha voz: "Já faz muito tempo, não é?" E, sem reação, volto a ter consciência de novo sobre meu corpo e o convido para entrar. Em poucos minutos que ele estava em minha casa, sinto como se horas tivessem se desdobrado enquanto estávamos a nos olhar, carregados de remorso. Agoniado com isso, pergunto de cabeça baixa: "Por que você está aqui de novo? O que você quer agora?" O tempo olha para mim e, com um sorriso, profere: "Enquanto ignoravas minha presença, as estações fluíram, e mais um ano se esvaiu, encontrando-te ainda atormentado pela vida. Indago, então: julgavas mesmo possível esquivar-se de mim?"

Fico sem resposta e olho profundamente para ele. Com rancor, eu concordo lentamente com a cabeça e afundo-me nas águas da existência de minha mente, percebendo o quão perturbador é sentir o inexorável passar do tempo. Pequenos fios de pensamentos deslizam por entre meus dedos enquanto me afundo, até que um som crescente invade meus ouvidos. Então, desperto, olho para o teto e falo "mais um pesadelo com o tempo" e penso em tudo que o tempo me fez perder. Dou um suspiro profundo, olho para a janela de manhã e escuto alguém bater em minha porta, e sinto um arrepio.