O sonho

Madrugada do dia 5 de fevereiro de 2024.

Parecia uma noite comum fora do corpo físico quando eu, na companhia de minha amada mãe, fui abordada pelos impulsos mentais de uma jovem mulher de longos cabelos castanhos. O seu olhar pouco lúcido denunciava algo sombrio em suas intenções, embora carregasse no rosto um estranho sorriso. No semblante, um ar de mistério transitava entre o sarcasmo, o sadismo e a loucura. Com os braços estendidos na minha direção, ela lutava insistentemente contra algo energético que nos separava, a fim de entregar-me um diminuto objeto arredondado, como se um presente fosse. Ela nada dizia, além do expressivo olhar, cuja profundidade escondia uma trama obscura que podia iludir uma mente distraída.

A minha mãe, tomada de ingenuidade, apenas registrou o sorriso e o gesto, pedindo assim que eu aceitasse o presente da moça, que certamente seria alguém que apreciava as palestras ou estudos que eu fazia, e sendo assim não custava eu receber. Por sua vez, expliquei calmamente à minha mãe que estávamos diante de um espírito necessitado do amor de Deus, que ainda se comprazia no mal, afeito à luta contra os trabalhadores da Seara do Cristo e que deveríamos entregá-lo a Jesus.

Fitei a jovem profunda e amorosamente como quem vê uma filha, uma irmã amada, e nesse momento a barreira que nos separava se desfez. Segurei seus pulsos firmemente, contendo seus movimentos brutos e desordenados, evitando assim que ela me tocasse com o misterioso objeto de suas mãos nervosas. Penetrando seu olhar sedento, comecei a falar sobre o Nazareno. Neste momento, o antigo sorriso deu lugar a uma expressão enfurecida, seu corpo se debateu entre bravejos, e seu olhar, sem brilho, parecia mergulhado no frio das trevas. Eu a segurei com mais intensidade, invocando a presença do Cristo. No mesmo instante, sua cabeça foi lançada bruscamente para trás, e seu corpo sofreu um solavanco violento, como se tivesse recebido o choque de um desfibrilador e desabou inconsciente. Ao tomá-la nos braços, uma piedade profunda se enraizou no meu peito, como uma lâmina que corta devagar. Observei-a com cuidado, quase em reverência, perguntando-me: há quanto tempo ela caminha, perdida, na escuridão de seus próprios sentimentos? Certamente é um ser bem amado por alguém que sofre ao vê-la presa a essa condição tão triste e desesperadora. A fragilidade dela me tocava como um sussurro, pedindo socorro em silêncio.

De joelhos no chão, com o coração pulsando em fé, na certeza do amparo, clamei por Aquele que deu a vida por nós:

— Irmão amado Jesus, Senhor de todos nós, eu te trago, Senhor, este espírito tão necessitado de ti. Acolhe-o, Mestre, no calor do teu amor que tudo cura e renova. Para que, ao te conhecer, ele se transforme e encontre forças para servir ao amor em teu nome...

Foi então que, de repente, o céu se abriu, e uma luz desceu como uma cascata de pureza, inundando tudo ao redor. Dela começou a se formar a visão mais sublime que meus olhos já contemplaram: Jesus. Sua figura, um tanto translúcida, surgia da cabeça à cintura em forma humana, perfeita e imponente, magnética e amorosa, enquanto da cintura para baixo Ele se transformava em pura luz, tão intensa e divina que faria o sol parecer um reflexo pálido. Meu corpo paralisou, dominado por uma avalanche de sensações que palavras jamais poderiam traduzir. Ele era mais belo do que qualquer sonho ou imaginação poderia conceber, uma presença tão real e sublime que o próprio tempo pareceu suspender-se. Pela primeira vez, eu o vi tão de perto, em todo o seu explendor. O indescritível tornou-se palpável: a personificação do amor pairava diante de mim.

Ele sorriu, estendendo os braços e tudo estremeceu dentro do meu ser.

Ao redor, a própria luz parecia se curvar diante d'Ele. Ele preenchia todos os espaços que guardam os mistérios da vida. Eu, tomada de júbilo, pousei sobre suas mãos de amor aquele corpo espiritual desfalecido, como quem entrega o ser mais precioso. Nenhuma palavra foi dita verbalmente, embora todas as mais lindas tenham emoldurado esse momento, como cântico sagrado ouvido pelo coração.

Mal pude me recompor de tal visão, quando dos céus desceram anjos, e este quadro vívido ficou gravado cá bem dentro. Jesus em luz divina, com a jovem em seu colo, e os anjos surgindo... Alguns tinham algo que eu ousaria chamar de asas, as mais lindas que nossa imaginação jamais seria capaz de conceber. Ao tocarem o chão, os reconheci um a um, e não podia crer no que via dentro de seus sorrisos amorosos. Um deles era o amigo que me acompanha desde a infância, que ensinou tudo o que sei sobre o mundo espiritual, o amor e a vida! Nesses anos meus terrenos, ele nunca havia se apresentado de tal forma, embora sua superioridade espiritual fosse notável! Com a alma em sorrisos, nos abraçamos coletivamente, formando o que se assemelhava a uma corrente macia de luz.

Conversamos intimamente, como amigos fazem, quando, de repente, senti a aproximação de outras pessoas. Virando-me, vi minha avó, desencarnada há muitos anos, e cuja saudade em meu peito me doía ardentemente. Ela fora trazida por um desses seres lindos. Corri até ela, e, a essa altura, meus olhos jorravam amor. Eu estava diante daquela que foi minha base segura, meu exemplo de fé, caridade e ternura na Terra.

Em seguida, fui convidada a conhecer uma construção erguida no centro de um terreno verdejante, cortado por um cristalino riacho calmo. Se tratava de um grande anfiteatro com amplos e arejados salões minuciosamente projetados. Após viver aqueles momentos preciosos, parei por instantes, apenas para agradecer, enquanto contemplava a paisagem encantadora, que se revelava um verdadeiro refrigério para a alma.

E, como se eu já não tivesse vivenciado a experiência mais rica da minha existência, um homem jovem se aproximou, acompanhado de um espírito alto, de alvas vestes. Ele possuía os cabelos castanhos escuros e lisos, caindo-lhe gentilmente sobre a tez, barba bem formada, nariz afilado e olhos que, ao tocarem os meus, soaram-me como notas de melodias profundamente conhecidas...

— Pai!!! — exclamei, tomada por uma emoção indizível. Sua feição saudável, livre dos sinais das doenças físicas, me impressionou! Ali estava ele, com a aparência jovem que eu só conheci nas fotos antigas, vestindo uma camisa branca de botão, como ele sempre gostava de usar. Estava diante de mim, naquele cenário de beleza única e serena, como se o tempo e a distância não existissem.

Após um saudoso abraço, dado do modo como as crianças dão, nos debruçamos sobre o peitoril da varanda, contemplando a natureza ao nosso redor. Ele me contou que fora tratado no Lar de Frei Luiz e que me viu lá em algumas ocasiões. Perguntou-me se eu estava trabalhando naquela que é conhecida como a Cidade do Amor, e eu respondi que sim, que estava colaborando junto a amigos para o soerguimento das bases do espiritismo naquela casa tão bonita, que enfrentava grandes batalhas espirituais. Então, lhe contei que, fora do corpo, eu seguia trabalhando e coordenando atividades de resgates com equipes de outros centros espíritas, sendo o principal a Casa de Eurípides.

Nos foi permitido apreciar longamente a presença um do outro até findar essa experiência indescritível dentro de um abraço que contém o infinito na expressão mais pura do amor. Eu e meu pai, ali, diante das bênçãos de uma memorável noite inesquecível.

Aflora la Fora
Enviado por Aflora la Fora em 15/12/2024
Reeditado em 15/12/2024
Código do texto: T8219620
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