Prometeu

É um breu com áridos cânticos de guturais horrendos. Ouço com a alma gélida. Enfrentarei minha sombra sob a égide torta da minha responsabilidade. Minhas mãos são delicadas. Levanto uma delas ao céu, negrume. Num movimento esperançoso, a voz do além-túmulo entrelaça meus dedos e me puxa à aniquilação do meu ego.

O solavanco à verdade é a única virtude — a virtude da honestidade pulsando na vileza cardíaca. Como o filho da sujeira, emerge a minha ânsia com amargura do esgoto da consciência. Abro ao mundo o pandemônio de confissões cinzentas. Começo com a sordidez medíocre que a minha lascívia me trouxe em vida. Desejei corpos para preencher um vácuo incomensurável no meu peito. No fundo, mesmo que não goste de assumir, nenhuma existência ao meu lado fez sentido. Não terá ninguém para me salvar de mim, muito menos para me deliciar. Indigno de quaisquer afetos, porque meu narcisismo carente sempre foi um empecilho ao meu crescimento.

A carência é uma vergonha, e quando a observo no meu velho espelho embaçado, sinto vontade de desistir. Na minha imaginação vejo tapas e mais tapas de minha própria mão, como se a dor remediasse o meu desgosto. Bato-me apenas pensando, porque é suficiente a destruição interior.

Só poderei aquecer meu espírito rumo à transcendência quando sentir o amor pela humanidade. Amor plural na totalidade de tudo. Eros humano. Aceito a solidão nesta passagem breve de vida. A vida é assim.

O que mais aflige meu corpo não é firmeza da eterna ausência, mas a minha passividade. Enxerguei por muito tempo as pessoas como peças rústicas de uma engrenagem qualquer. Coloquei-me, inconscientemente, acima dos outros, sobrevoei com asas inflamadas de Ícaro num jubilar desprezível.

É confuso, mas digamos que a contemplação do todo me tirou de cena, mas como sou parte de todo e o todo não é todo sem parte, vivi incompleto. As coisas devem ser vividas com a carne e com a intuição, porém meu cérebro captou apenas a intuição. Como um fantasma vagueando na friagem do mundo, apenas observei. Escrevi coisas inúteis e não vivi como deveria. Vi corpos, intrigas, amores e filosofias numa única tarde à sombra de um cipreste. Só que nenhuma sombra pôde me atingir de verdade. Quando olho para o Sol, meus olhos não ardem. Meu corpo não esquenta. Meu espírito não se remexe. Sinto que estou passeando pela vida apenas para perecer.

Falta pulsão de um fogo que verdadeiramente me queime! Não é qualquer chama, aceito até aquela que o álcool estimula. Aceito até morte como sacrifício dum propósito além da matéria! Fogo como prazer erótico que a libido se faz existir. Infelizmente as minhas confissões são castigos que mastigam qualquer prazer. Sou um Prometeu que nunca acessou a flama da composição humana.

Reirazinho
Enviado por Reirazinho em 05/12/2024
Código do texto: T8212773
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