A DIVA DIVIDIDA NA DÚVIDA

Diva não é seu nome, mas sua condição, ou sua perene vocação.

Lá está ela, à beira de sua janela, no quarto de dormir, em seu jeito de existir. Pronta para a contemplação alheia, para despertar a curiosidade de quem ali passeia. Para provocar indagações, paixões, divagações, um sem fim de reações...

Ela permanece indiferente, pelo que aparente, a essa curiosidade, dos passantes, dos possíveis amantes, de toda a humanidade.

Diva, dádiva da vida, que envida esforços para dividir, sem pensar em reinar. Seu universo se divide em sonhos diversos, à espera de versos que a façam sorrir, ou, quem sabe, seu destino definir.

O cotidiano é como rima, que ocorre a todo instante, mas não a anima a variar seu semblante. Expressão a um só tempo doce e fria, a moldar-lhe o rosto e a ativar o gosto de quem almeja sua companhia.

Por trás da meiga serenidade, esconde-se a ansiedade de quem duvida dos pretendentes, alvo de olhares descrentes. Na dúvida, pensa que estão sempre a dever e que sua dívida perante a diva põe sua relação à deriva, vagando, vagando, até se perder.

Haverá tanta vaidade nessa doce beldade que a faça indiferente ao amor que se apresente? Não, vaidosa não se mostra a diva, temerosa apenas, algo esquiva, na difícil decisão de ceder à paixão. Ela procura o par ideal e prossegue, bem ou mal, a oferecer seu amável perfil, da janela, perto do peitoril.

Sons devem combinar-se, espalhar-se, multiplicar-se, em favor da narrativa que reflita o sentir da diva. Desafiante dever! Dever de ver, de descrever, de prever e avaliar o porvir dessa diva, cuja divisa poderia ser: decifre-me ou devore-se.

Divisar sua face, para quem passe, convida à poesia, com ou sem maestria. Alguns pela beleza, outros, com certeza, pelo simples prazer de olhar, julgar, entender.

Por seu lado, o rosto contemplado também quer contemplar, inquirir, estimar. Essencial, o mútuo conhecimento, para que não sobrevenha o lamento. Na dúvida, não se corre o risco, mais vale mesmo esperar, pois a vida não é petisco, tão fácil de saborear.

Prossegue a diva, em sua janela, como alma cativa, cada vez mais bela. Cativa de quantos cantos se fazem ouvir noite e dia, sem que possam, no entanto, despertar do amor a magia.

A toda diva, o devido amante. Este é iniciante, cronista amador, em situação desconfortante, na árdua empreitada de decifrar sua amada. Amador tanto nas letras quanto nos mistérios do amor. Que pouco entende de rima ou do arrimo que sustente a estima.

Tal qual sua diva, dividido ao duvidar de amor assim divino. Divagando sem cessar, na dúvida se seus dias são bem vividos ou se fica a dever a essa vida, ávida por inovadores e inovações, mas avessa a vãos devaneios, sem fim...

Brasília, fevereiro 2024.