A história da bicicleta
Eu tinha acabado de aprender a andar de bicicleta. Logo que percebi a possibilidade de permanecer em cima de uma, resolvi tirar uma onda próximo de casa. Não vou falar da lua como guia nem do ventinho brincando com meu rosto, porque a poesia durou um minuto. Em poucos quarteirões, talvez dois, fui parar nas pernas de um carinha que, sei lá... não entendi bem algumas proporções daquele nosso encontro.
Não era Carnaval nem nada, mas parece que formamos um casal de porta-bandeira e mestre-sala perfeito, embora estranho. Enquanto ele dava inúmeros pulinhos graciosos tentando se livrar das minhas barberagens, eu roçava nas pernas dele com meu samba. O interessante é que, talvez por falta de tempo, o coitado não dizia um palavrão. Era urgente, imaginei, sua necessidade de escapar de uma ciclista barbeira, que não lhe dava a mínima chance de qualquer outra coisa, que não fosse pular pra lá e pra cá para se libertar de uma roda ameaçadora, maluca.
Mas será que aquele indivíduo era real mesmo? Ficou a dúvida porque, além da gentileza rara e tolerância da vítima, o fato ocorreu em uma encruzilhada; e era tanto movimento de pernas, que a cena se impregnou de uma estranhesa etérea muito esquisita - isso no imaginário de uma quase escritora com a cabeça cheia de névoa, véus diáfanos e teias.
O fato é que eu tinha uns 17 aninhos; e aquele menino esguio, metido em uma jaqueta maneira, bem que gostou de dançar comigo (só agora posso ver isso). Mas o frescor da noitinha e os convites da minha adolescente bicicleta, sob a lua, prevaleceram. Nem passou pela minha cabeça que aquele carinha, por amor, seria capaz de tudo. Melhor nem pensar no que eu perdi.