CHORE UM POUCO MAIS, NOBRE POETA.
Canta o amor, solitário poeta, o sentimento que te move, que surge, comove e te transforma. Canta em voz alta toda essa dor. Canta os versos da liberdade, o amor que é reescrito, centrado, canta as tuas muitas vivências e os dias de angústia suprema. Ainda que seja a última vez, que sejam derradeiras as suas palavras, do dizer nunca antes dito. Quem lê que entenda o quanto doi, compreenda quem é que se esconde, se oculta fugitivo em cada estrofe.
Canta a sua dor solitário poeta, a dor de ter amado tanto, de ter devotado tamanho sentimento e perceber que não valeu de nada. Hoje os teus escritos são de agonia, versos riscados à beira do abismo, prontos a cair no esquecimento, quem nessa vida os lerá? Joga-os aos quatro ventos, ao sabor das estações e talvez alguém os encontre. Coloque-os em uma garrafa, atira-os ao sabor de novas marés e talvez algum náufrago os reencontre.
Já se faz alta a noite, de muitas estrelas brilhantes estendidas no firmamento a luz de desatento luar. O poeta a tudo contempla, do alto da janela solidão ele tudo contempla, ele vê os sentimentos desnudos passeando soltos no peito. Quem é ela, poeta? Revela-nos o seu nome e onde habitas tal amor? Quem é essa que te enlouqueceu? Que faz teu coração parar quando ela surgiu, por favor, revela-nos, quem é ela?
Amanheceu e nada mudou, o sol está se levantando lentamente enquanto pássaros estão cantando na copa das árvores, homens e mulheres passando desavisados. Faces fechadas, sisudas, indiferentes, outros acenam sem querer respostas, corações pesados, almas cansadas, sentimentos fervilhando por dentro. Somos observadores da vida alheia de papel e caneta nas mãos, derramando versos na folha em branco. Procuras por ela em cada rosto que passa, às vezes, algumas enganam o teu olhar, então, pensas nela, enganoso coração apaixonado é o teu, nobre poeta.
Canta as tuas quimeras, nobre poeta, os medos ocultos no coração, os teus muitíssimos desejos proibidos e aquartelados no calabouço da alma. Se derrame em cada estrofe, nobre poeta, enlouquecendo em cada verso, delirante em cada palavra, desvario completo em cada poema. Tornastes o que não querias, encontrando o que não procuravas, vivenciando todas as outras vidas. Enquanto isso, a tua vida ficou esquecida, lutastes tanto por tantos amores e sobrou-te apenas o barco da solidão nesse imenso oceano.
Aquele teu desejo oculto acorrentado no peito,
desejo nunca compreendido, flagelando o aedo seio. Quem é ela, nobre poeta? Revela-nos o seu nome, quem é que te atormenta, te faz perder o sono todas as noites. Tantos foram os versos riscados, feitos e refeitos na tábua do coração, versos de um amor inalcançável. Os sentimentos desnudos, cambaleantes diante dos olhos, quem os poderá compreender?
Canta uma vez mais, nobre poeta, ainda que teu mundo seja ilusão, ainda que tuas quimeras pareçam reais, ainda que teus devaneios o assombre. Canta pela última vez, nobre poeta, sacie a tua alma com os teus pensamentos, transforme-os em doces palavras, sejam os versos teu porto seguro. Entenda, nobre aedo das palavras, ela nunca terá olhos para você, em nenhuma das existência do cosmo, aliás. Ainda persiste nesse louco amor? Escrevendo dia após dia e noite após noite tua infinita dor em amar tanto?
Certamente você enlouqueceu.
Amar tornou-se uma luta, interna, externa e infinita, uma busca pelo inalcançável. É uma quase desistência o tempo todo. Você a vê todos os dias, nobre poeta, ela está diante da janela da tua alma, os olhos brilhantes, a face formosa, o sorriso desconcertante e enlouquecedor. O teu coração arrebenta-se no peito, falta-lhe uma porção do ar,
pernas e mãos ficam trêmulas. Basta um olhar, nobre poeta, basta o timbre da voz e um simples aceno, uma ou duas palavras e o seu mundo vira de cabeça para baixo.
Ela, sempre ela, nobre poeta, desfilando sua bela juventude e suas curvas delirantes. Por onde ela passa é admirada, enfeitiçando outros olhos inocentes e desprotegidos. É sempre ela, nobre poeta, oferecendo graciosos sorrisos, a sonoridade da voz de anjo lêdo, quem, afinal, poderia resistir tal encanto. Sei o quanto você sofre, caríssimo poeta da solidão, todos esses sentimentos aí dentro, corroendo a tua alma e coração. Talvez um dia ela te perceba e note o teu desesperado amor e valorize cada verso do teu sofrer.
Canta uma última vez, nobre poeta, chore um pouco mais, escreva os versos derradeiros, jogue-os ao sabor do vento. A tua canção não será esquecida, alguém a lerá em algum momento, perceberá o quanto você amou, em cada palavra e em cada poema. Laça os teus versos ao mar, deixe-os ao sabor das marés e que sejam navegantes solitários. Um último pedido que te faço, nobre poeta, revela-me em segredo o nome dela, de quem é a face do teu tormento.