A velha ferida
Há uma dor que carregamos, silenciosa, sob o peso de nossa própria existência. Ela não grita e nem exige, mas sua presença é como um sussurro insistente que nunca desaparece completamente. Essa é a velha ferida.
É curioso como a vida segue seu curso, como o tempo, em sua marcha implacável, nos empurra adiante, fazendo-nos acreditar que estamos deixando para trás aquilo que nos marcou. Construímos novas histórias, nos cercamos de risos, de amores, de sucessos. E ainda assim, há noites em que, ao nos deitarmos em silêncio, sentimos o pulsar discreto daquele corte que nunca cicatrizou por completo.
A velha ferida é mais do que um acontecimento, mais do que uma pessoa ou um trauma específico. Ela é o símbolo de nossa fragilidade, a prova de que, por mais que sejamos capazes de superar, nem sempre conseguimos esquecer. Não há amargura nesse lembrar. Há, ao contrário, uma aceitação quase serena de que o passado não nos pertence, embora viva em nós.
Às vezes, surpreendemo-nos revisitando aquela dor, como quem toca uma antiga melodia em um piano desafinado. Não buscamos revivê-la, mas ela surge quase involuntária, trazendo à tona sensações que julgávamos enterradas. Não é um convite ao sofrimento, mas um lembrete de que somos feitos também de nossas perdas, de nossas falhas e de nossas despedidas.
E, no entanto, vivemos. Vivemos bem, felizes até, porque a velha ferida, ao contrário do que imaginamos, não nos enfraquece. Ela nos molda, nos dá profundidade. É ela que nos ensina a reconhecer a fragilidade no outro, a enxergar além das aparências, a valorizar a plenitude de momentos que, embora passageiros, são preciosos.
Superar, muitas vezes, não é esquecer, mas aprender a dançar com o peso que carregamos. É caminhar com a velha ferida não como um fardo, mas como uma parte essencial de quem nos tornamos.
Porque, no final das contas, a velha ferida não é só um lembrete de dor. Ela é a prova de que sobrevivemos. Que somos, apesar de tudo, ainda capazes de amar, de rir, de seguir em frente. E isso, por si só, é o maior triunfo da existência.