MEUS HERÓIS - Por Carlos Lopes

Era uma tarde de domingo, e estávamos à mesa quando meu filho, olhos brilhando de expectativa, me lançou seu pedido:

— Pai, quero que minha festa de aniversário seja com o tema de heróis!

Eu sorri, imaginando os clássicos que logo ele começaria a citar, mas seu entusiasmo foi além do que eu esperava.

— Quero o Homem-Aranha, Homem de Ferro, Capitão América… Ah! E tem a Mulher-Maravilha e o Batman também! — disse ele, e logo emendou. — E o Naruto, o Goku, o Deku, a Ladybug, o Cat Noir e o Pikachu!

Eu o olhei, tentando entender o que esses novos heróis significavam para ele, mas ele já seguia, sem pausa.

— E os personagens dos jogos, pai! Minecraft, Fortnite e, claro, o Super Mario.

Olhei para ele, surpreso, e tentei uma saída prática.

— Filho, com tantos heróis assim, acho que não vai caber todo mundo na festa! Mas ele nem se abalou.

— Ainda tem o Luccas Neto, o Vlad, a Nikita… e o Felipe Neto, pai. Eles são YouTubers, sabia? — E seu olhar parecia dizer que esse era o auge da revelação.

Confesso que fiquei um pouco espantado, perdido entre esses novos heróis digitais que formavam um universo tão distante do que eu imaginava. Tentando conter minha surpresa, falei:

— Esses não parecem os heróis que eu tinha em mente…

A expressão dele mudou. O sorriso se desfez, e seu olhar, antes cheio de entusiasmo, deu lugar a uma pitada de desdém.

— E como era sua festa de aniversário, pai? Quem eram os seus heróis?

Fiquei em silêncio por um instante, enquanto uma saudade inesperada enchia meu peito. Lembrei-me daqueles dias de infância, dos rostos familiares que, para mim, tinham poderes que ninguém mais possuía. Soltei uma risada alta, e ele, confuso, me olhou.

— O que foi, pai? Por que está rindo?

Respirei fundo, me preparando para a viagem que aquelas lembranças me pediam.

— Eu tive muitos heróis, filho… E que heróis! Para começar, tinha minha mãe, que, mesmo depois da partida do meu pai, conseguiu criar a mim e minha irmã com tanta força… Ela era uma guerreira.

Seus olhos fixaram-se em mim, atentos.

— E tinha o vovô, que montava a cavalo e tocava berrante. Era como mágica, filho. O som ecoava por quilômetros!

Sorri com as memórias, e continuei.

— Tinha também o tio Aílton, o mestre das pipas, que me ensinou a empinar como ninguém. E o tio Eni, que era um craque no futebol — para mim, era melhor que o Pelé! Ah, e a tia Neuza, que desenhava como se seus lápis fossem varinhas mágicas.

Ele começou a rir junto, talvez sem entender tudo, mas encantado pela história.

— E as vovós? — perguntei, como se elas também estivessem ali. — Vovó Laura fazia uma comida que só ela sabia fazer, era um banquete de amor. Já a vovó Maria, bom… acho que era uma fada. Sempre aparecia com doces e biscoitos do nada!

— E o que mais, pai?

— Tinha minha professora da primeira série — um gênio da leitura! Lia histórias inteiras sem errar uma palavra! E o português da padaria, que sempre fazia pão quentinho bem na hora que eu passava… Eu achava que ele tinha uma bola de cristal!

Meu filho gargalhou, e eu ri junto, sentindo que ele estava começando a ver aqueles heróis com os mesmos olhos que eu.

— E o Pedrinho, o carteiro, filho, você não vai acreditar! Ele era melhor que o Professor Xavier dos X-Men. Encontrava todo mundo, até meus tios em São Paulo. Eu escrevia cartas e ele levava… e depois de alguns dias, ele trazia a resposta!

Os olhos do meu filho brilhavam. Ele ouviu até o final, as histórias dos meus heróis: o tio João com sua maleta de ferramentas, era melhor que o homem de ferro, esse nunca concertou a minha bicicleta, o Dr. Aroldo, o dentista que “colocava massa nos dentes” e me curava a dor, acho que ele também era pedreiro… e dona Rita, a vizinha da frente, com seu jardim encantado cheio de flores, borboletas e joaninhas. Ela era uma fada com certeza, com o poder do dedo verde. Mas devia o dedo do pé, porque os da mão eram normais.

Quando terminei, ele estava em silêncio, como quem acabara de descobrir uma nova galáxia. E então, com uma voz suave e cheia de ternura, disse:

— Pai, quero mudar os heróis da minha festa. Vamos fazer um tema novo… Super Família e Super Amigos, com uma foto sua e da mamãe. Pode ser?

Abracei-o, sentindo o poder que só a memória e o amor conseguem transmitir. E naquele momento, percebi que havia passado a ele o que de mais precioso possuía: a verdade de que os heróis mais grandiosos são aqueles que convivem ao nosso lado todos os dias.

Carlos Lopes 13/11/2024

ESCRITORES E CIA
Enviado por ESCRITORES E CIA em 16/11/2024
Reeditado em 16/11/2024
Código do texto: T8197952
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