A dor de pular a janela

Durante muito tempo esse foi o meu lugar secreto: uma sala não muito grande, de paredes brancas com poucos quadros pendurados e duas grandes janelas, uma voltada à floresta de onde vim e a outra de frente ao mar. O ambiente sempre foi ventilado, o ar mantinha o cheiro da natureza e o clima sempre fresco. Mas, o que mais me chamava atenção naquele lugar, sem dúvidas, era a segunda janela. Lá eu permanecia horas e horas admirando a beleza da praia, as ondas batiam fortemente sobre as pedras e produziam serelepes bolinhas de espumas que logo se esvaiam; ondas cujos movimentos sobre a areia acompanhavam o ritmo da minha respiração: vinham e iam... vinham e iam....

Durante muito tempo aquela janela foi o único contato que tive com o Mar, nunca saí de casa, descalcei as sandálias que mantinham meu pés brancos e finos para poder sentir as ondas sobre minha pele- não sei se quentes ou frias- nem sequer havia sentido a luz, que julgara quente, do sol sobre a minha cabeça. Enfim, nunca havia abandonado aquele recinto. Era onde estava segura; era onde permanecia.

Foi quando as estações mudaram......................................................................

Algo havia mudado, não sei se em mim ou naquela pequena casa, mas, já não chuviscava todos finais de tardes, eu não ouvia mais o bem-te-vi cantar no começo das manhãs e o vento assobiava forte pelas frestas da única porta da residência, me causando pequenos calafrios durante as noites. Além disso, o Mar não produzia as mesmas espumas serelepes de antes, elas não sumiam, todavia permaneciam e aumentavam conforme as violentas ondas batiam freneticamente sobre as pedras. O Mar estava de ressaca.

Curiosamente, nessa nova estação, ao fechar os olhos podia ouvir suas ondas: elas me chamavam, gritavam meu nome, repetidas e repetidas vezes, dia e noite. Podia ouvi-las convencer-me a enfrentar o medo do desconhecido, a pular de uma vez aquela janela, a viver uma vida totalmente entregue à Maré.

Aquelas ondas arrastaram mais do que as conchas que estavam deitadas sobre a areia, haviam levado consigo, também a minha alma. Não, eu não pertencia mais àquele lugar tranquilo em que podia sentar e admirar Sua beleza marítima sem me arriscar a conhecê-Lo. Minha alma era de marujo, pertencia ao Mar.

Não houve muitos segredos ou esforços para pular a janela, ocorreu no final de tarde de uma sexta-feira. Meus pés ao tocarem o chão sentiram pela primeira vez aqueles pequenos pedregulhos que cercavam a casa, eram frios e ásperos e conforme eu ia caminhando, devagar os sentia penetrar sobre minha fina pele. Ainda assim prossegui, era tarde demais para voltar.

Ao finalmente chegar na areia a senti, além de morna, grudar em meus pés embaçados pelo sangue, no entanto, nesse momento algo muito maior do que aquele meu incômodo chamou-me a atenção: a presença da Maré. Sua grandiosidade me tirou o fôlego e por mais que tentasse meus olhos não enxergavam finitude. Aproximei-me cautelosamente até que senti a areia encharcada e esperei pela próxima onda, que não tardou.

A água era muito fria, quase gelada, e levou consigo todo o sangue pisado de meus pés trazendo a eles um refrigério tão grande que por pouco não se transformou em ardor. Aproximei-me mais e agora as águas chegavam aos meus calcanhares.

Poder sentir as ondas sobre minha pele me trazia a certeza de que aquilo era apenas o começo de uma NOVA jornada; e os pés seriam apenas os primeiros a se molharem.

Ps.: A Maré finalmente me encontrou, agora pertenço a Ti.