CARTA ENVIADA A VERÔNICA

Verônica, se te interessa, estou agora sentada na varanda, enquanto te escrevo, e vivo a saudade que estou de você, meus olhos vão em direção ao campo, que muito em breve receberá a primeira remessa de grãos de milho.

É lua cheia, terminamos ontem de preparar a terra, e na segunda começamos a plantação.

As cigarras já anunciam a chuva; o terreno exala o perfume de terra úmida e as formigas cuidaram de deixar suas colônias profundas.

Tudo aqui vai bem, exceto o fato de uma das nossas máquinas ter estragado, o João filho da finada Derenice disse que o problema tá no motor, eu não sei o que isso significa, mas pela cara dele vi que boa coisa não é.

Agora com uma máquina a menos, o plantio vai demorar mais. A frustração quase me consome, mas preciso ver esses campos verdes antes que tudo acabe.

Esse quintal fica bonito demais com a imensidão do verde que vai sumindo do alcance das vistas.

O papai que gostava, ficava sentado aqui por horas admirando.

Verônica, você costuma contar o tempo? Eu costumava, mas agora ele se arrasta. Já se passaram sete meses desde que ele se foi e de alguma forma, o tempo parece ter parado para mim. Meu corpo que vivia à pressa dos dias agora é um peso amargo. O cachorro que costumava esperar pela porta como se nada no mundo fosse mais importante, agora anda triste pelos cantos. E até a casa, que antes ecoava com o som de risos, sente a falta dele – as paredes, que sempre se mantiveram firmes, começam a ceder, rachando e abrindo espaços como se quisessem representar o vazio que ele deixou, as janelas empenaram acho que é de tanto chorar a sua ausência.

Desde que ele se foi, fiquei pensando que ao invés da vida suceder a morte é a morte que sucede à vida.

Verônica, não me julga quando eu disse que a casa tem sentido falta do papai, mas é que, de maneira irracional, me dá raiva de ver que o mundo continua depois que ele se foi.

Às vezes, Verônica, me pego pensando que tudo deveria permanecer quieto, assim como eu estou.

Mas não, o mundo não parou, continua no modo contínuo, nada está em repouso.

Os pássaros continuam com o canto alegre, o vento continua a soprar, e as folhas das árvores dançam, até que se desprendem dos galhos e caem no chão.

Eu fico aqui nesta varanda, esperando que os outros parem de seguir seus caminhos, que o relógio pare de girar, ou que ao menos me dê um sinal, que não sou a única a sentir falta dele.

Verônica, me conta o que você acha disso…

O papai adorava dançar comigo, cantava melhor que os pássaros e nas tardes de domingo adorava fazer bolha de sabão com canudo de mamoeiro para mim.

Verônica, às vezes me pego voltando a esses tempos,me lembro de quando as minhas pernas não era tão grandes como são agora, eu olhava aquele homem de baixo para cima, e parecia que tudo era para sempre, a sua força, a sua juventude, parecia que era.

De repente o ciclo da vida começou a se fechar, e de uma ponta ele caiu na outra, e eu o acompanhei, olhando assim, um pouco aflita por ver a figura de força perdendo espaço para a fragilidade.

Numa hora eu o gritava de longe e ele gritava de volta, porque ele me ouvia.

De repente gritá-lo de longe já não funcionava mais.

Daí as vistas também começaram arruinar, e eu precisava chegar bem perto e dizer que era eu.

Em outro tempo dizer quem eu era já não bastava porque ele deixou de lembrar

Foi um longo tempo o perdendo aos poucos até perdê-lo de vez.

Isabel Pereira
Enviado por Isabel Pereira em 10/11/2024
Reeditado em 14/11/2024
Código do texto: T8193971
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