Manuscrito de um sozinhar: como ela me amou!

Meus olhos buscam a luz piscante, as cores dançando sobre a face e encontram apenas silêncio... A sala vazia é reflexo ou indicativo de quê? Indica abandono e/ou distância criada? ... ... ... ... Reticências sobram nesse tempo de secura das almas onde os laços parecem se romper um pouco a cada dia... Talvez não seja o que é, mas é o que sinto neste silêncio de 20 anos. Na última presença a dor da dureza da rocha, a incerteza de um olhar de dor - penetrante e dolorido -.... ... ... .... ... ... ...

Penso que a cada investida ou tentativa de aproximação refutada ou desprezada pela indiferença as forças diminuem... e o coração começa a pensar que não há mais pelo que lutar para além da manutenção do que se tem. Porque o além querer não há como seus anseios e desejos controlarem... não depende de seu bater...

E as horas passam... e a cada entrada na sala para contemplar o espelho na janela do tempo profundo, uma parede escura com uma única imagem quieta, calada: a própria face reflete o olhar triste e cabisbaixo... Talvez o verbo correto não seja o meu olhar, mas o meu "sozinhar" na janela do tempo profundo... Meu sozinhar diário num tempo em que mais precisei de acolhida e amor... quando as lutas do cotidiano não me trazem horizontes de sobrevivência - pelo contrário - todos tem sido arrancados de mim... e sobreviver já é um risco...

Dói escrever palavras... e dói dimensionar a dor sem quantificá-la (algo impensável e impossível de se fazer)... Dói demais reconhecer que o coração amado ainda bate, ainda acelera por outro coração que não o meu a bater - ainda - forte dentro o peito...

A realidade - que não posso mudar, controlar - é dolorida demais... Uma navalha que corta enquanto o coração sangra...

Por isso, talvez, eu não encontre palavras para expressar a decepção pelo seu silêncio quando eu mais preciso que você fale... quando cheguei a implorar por sua voz...

E se me castigas pelo que não fiz que cale em ti essa dor ao me ler, porque não ouso mais carregar sofrimentos que me joguem na tristeza e sofrimento sem fim... Libertei-me para a leveza. Alforriei-me para encontrar paz... Então não me pertence mais buscar sofrer... Por isso, destilo aqui o sentimento... Para dele me libertar... Para dele me afastar... Mas, quero que saiba... ... ... ... ... ... ... ... os espinhos do descaso, abandono, indiferença e contradições entre um homem e outro (a multidão que te habita) me ferem... Ferem sim...

Mas... tenho o bálsamo... e é o amor... esse que me habita e que te é destinado e você não quer aceitar... (não haverá um relacionamento - você não faz parte da minha vida)...

Esse amor... que, creio, é o que tu mais precisas e eu tenho em abundância... semeio, entrego, partilho... sem condições...

Então... escrevo, desabado, grito, esperneio como um dia me disseste para fazer... mas sigo... com o coração transbordante de amor... derramado em lágrimas de dor... saudade... e tudo que possa significar a frustração e a decepção de te procurar o dia inteiro na janela do tempo profundo e não te encontrar....

Faço meu manuscrito... sozinhando dores, lágrimas e tristezas... Um dia alguém vai achá-lo e entenderá... e entenderá... E talvez dirá entre um soluço e outro: como ela me amou! Como me amou! E eu não quis seu amor aceitar... ... eu não quis... seu amor... aceitar...