O homem que deu seu filho ao demônio

Era um pai solitário, movido por angústias inomináveis. Tinha o olhar de quem, em noites sufocantes, ouvia murmúrios antigos se misturando ao próprio sangue, pulsando no silêncio ao ritmo de vermes se contorcendo. Um desejo febril crescia em seu peito: dar ao seu único filho tudo aquilo que ele próprio não havia conseguido. Longe do caminho e das bênçãos comuns, algo profundo, raro e escuro. Decidiu buscar uma dádiva proibida, pois queria que seu filho fosse grande, poderoso, inalcançável e livre da vulgaridade humana.

Numa noite como outra qualquer, foi até uma encruzilhada. E em meio ao vento gelado que o cortava como lâminas e aos sussurros de almas perdidas, ofereceu o que tinha de mais sagrado: “Leve meu sangue, minha carne, meu espírito. Em troca, dê a ele o poder e a riqueza que o meu mundo não pode oferecer.” O Demônio, astuto e paciente, aceitou o trato, e naquela mesma noite o menino foi marcado pelo fogo invisível do pacto. Cresceu envolto de uma força que parecia divina, intocável, mas a força era fria, lhe endurecia a carne e gelava a alma.

Anos se passaram e o filho se tornou tudo o que o pai desejara: rico, intocável, temido. Mas nos olhos daquele filho havia um vazio gélido, uma fome insaciável, um olhar que mirava o pai como um animal feroz - faminto por mais do que poderia devorar. Reconhecia no homem que lhe deu a vida um último sacrifício.

Assim, o pai percebeu, tarde demais, o peso de sua escolha. O filho, agora uma criatura que emanava poder e escuridão, buscava a oferenda. Em um abraço gélido, ele o levou consigo para o vazio, arrastando-o até as profundezas de um lugar onde nem mesmo o amor ou o arrependimento têm voz. E o pai, na penumbra de sua nova prisão, ouviu o eco de seu próprio desejo desfigurado.

Foi apenas quando seu corpo se desfez em sombras que ele compreendeu o preço final. O amor corrompido que deu ao filho era a sua ruína, e o poder que tanto desejara para ele se revelava como correntes eternas, presas eternamente em sua própria carne.

Betaldi
Enviado por Betaldi em 06/11/2024
Código do texto: T8190959
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.