O PÉ NA SENZALA
Eu não tenho o pé na senzala...
Fui colocado forçosamente lá
Sem eu pedir, sem eu querer,
Sem a minha autorização,
Com luta e revolta, com tristeza e dissabor.
Ninguém, em sã consciência,
Ou vivência ancestral de escravizado
Orgulha-se de ter o "pé na senzala".
Quem sabe a dor do ferrolho e dos grilhões,
Quem sabe o peso da mão escravista
E a crueldade dos senhores de escravos, torturadores, estupradores, abusadores vis...
Orgulha-se (quando dá pra se orgulhar)
De ser negro fujão, negro resistência, negro herói de seu povo na contramão da história.
De se tornar quilombola, capoeira, ser filho de Dandara, geração de Zumbi (e parente de Tamandaré).
Quem, em terra estranha, teve que sobreviver à diáspora
E se reinventar pan-africano, nas muitas Áfricas disperso, longe de seu continente.
Quem, pelo sincretismo conseguiu burlar a imposição religiosa e, continuar seu culto às suas divindades.
Quem sobreviveu ao sistema eugenista e higienista da política nacional...
Quem sorriu apesar da dor e inventou o carnaval, desceu as favelas e ocupou a avenida...
Meus pés não são da senzala,
São de Angola, de Daomé,
São Jejê, são de Guiné, ...
Meu tronco e minhas raízes são fortes como Baobás banhados pelo rio Nilo, pelo Niger.
Trago na cabeça a coroa ancestral de Makeda, de Akhenaton.
Minha alma é livre, meu coração impetuoso.
Minha pele reflete o sol e meu cabelo saúda, nos astros, os meus ancestrais.
Nina Costa, in 03/11/2024.
Mimoso do Sul, Espírito Santo, Brasil.