Amor Fati
Como podia acreditar com tanta força que jamais reencontraria você, Amor? Como podia acreditar, após tantas outras vezes em que desacreditei e te reencontrei? Claro, seu cheiro era outro, seus olhos variavam e, se me perguntassem se eu tinha um tipo, nada em comum eu encontrava. Engraçado.
Lembro que a primeira vez que te perdi, por decisão minha, ao me enamorar por um desejo que nem sabia que tinha até ele se mostrar desejante de mim. Corri para a cozinha, no alto dos meus 18 anos, e contei à minha mãe aos prantos: “Terminamos!” e me surpreendi com sua reação de gargalhar. Não uma risada má, era uma risada de piedade seguida de “haverá de acontecer tantas outras vezes”. Fiquei puta, mas ri junto, nervosa. Pensei que não teria condição de passar por isso já aquela vez, quiçá tantas outras. E era apenas o dia 1.
Na segunda vez, descobri um amor mais profundo, ou pelo menos mais complexo, incondicional. Difícil saber o quanto era amor e o quanto era reencenação de um trauma que nada me era óbvio. Aqui, o Amor me quebrou, me machucou como podia de todas as formas, como se para me testar se eu estaria ali para ele, independente do que ele fizesse comigo em seu nome. Como mulher, havia aprendido que você, Amor, era nobremente provado na intensidade do sofrimento que conseguia suportar para ficar. Um dia, um momento de clareza me atravessou enquanto me provocava, novamente, um enorme sofrimento. Fiquei com raiva, não acreditei que você teve a coragem de me ameaçar. Usei da raiva para buscar tudo que era meu do seu lar, pois senti que se não fosse naquela hora, jamais seria: já tínhamos até o lugar onde iríamos casar.
Aqui, o Amor me atormentou por anos. Fez, pessoalmente, da minha vida um inferno. Fez tudo que podia para redefinir e apagar os últimos 3 anos. Fez dos meus próximos 3 muito difíceis: você não entendia como eu ainda lhe era gentil, e isso lhe enfurecia. Eu, mais confusa ainda, não entendia como você podia não ter um pingo de gentileza por mim. Será que o que eu encontrei foi realmente você, Amor? Fiquei sem saber.
Os terceiros, quartos, quintos amores e todos os outros que vieram depois não eram exatamente o que eu chamaria de Amor. Eram talvez Breves Memórias de Amor. Nunca botei os dois pés dentro; me parecia impossível conseguir esquecer que não sabia diferenciar quando o Amor mentia ou não... e ainda me doía a (in)diferença de tratamento que o Amor tinha me dado depois que me indispus a não chorar seus caprichos. Terminei porque precisava e não sem me culpar por ter, uma vez na vida, decidido não sofrer mais. Claro, sofri e sofri de uma forma que sentia que ia desaparecer. Como se eventualmente a cama fosse me engolir e eu fosse cair no vácuo por todo o sempre. Mas não mais sofri por me sujeitar a assistir o Amor rejeitar a mim e meus afetos mais verdadeiros rotineiramente.
Fugi de onde nasci e cresci, em nome do Amor. Me era insustentável caminhar nas ruas ao redor de tanta miséria, e dos olhares que evitavam ser trocados, a fim de não expor o tamanho do espaço social e financeiro entre os que passavam e os que imploravam. Me era insustentável os jogos, as recomendações de fingir o que não era e de jamais demonstrar o que sentia. Me era incabível as sugestões para caber.
Fugi para mais longe. Passei um ano só por escolha, muito só, nem um abraço eu recebi. Não que fosse de muitos, mas nunca havia sentido sua falta como sentia nessa terra nova de pessoas frígidas. O que é o Amor? Começei. O que é um compromisso? O que é um relacionamento? Emburaquei, me forcei a encarar tudo que antes não podia pela ausência de lugar seguro que me sustentasse caso eu desabasse. Que irônico, passei por isso mais sozinha que nunca e mais segura do que jamais imaginaria.
Pronta para me foder de novo, eu sentia que estava. Encontrei você rapidamente, Amor, na primeira noite em que rolava um aplicativo, já doida para apagá-lo. Foi como se tivesse uma aura ao seu redor e, de cara (como é possível?), eu soube que te chamaria Amor. Curada em parte do que me impedia de sentir, senti com vontade o desejo daquilo que sabia que seria finito. Assim, senti mais ainda. Deixei que você, agora numa versão extremamente controladora, dirigisse. “Vamos ver onde esse caminho vai dar”, pensei.
Enquanto você focava em nos guiar na estrada sinuosa, eu observava aonde me levava e seu afinco em manter os olhos nas linhas que delimitavam enormes bloqueios, como se tivesse medo de olhar para mim, no banco ao lado, e entender que eu significava demais para aceitar algo que foi proibido por você desde o dia 1: envolvimento. Íamos em direção ao precipício, e eu o vi de longe, mas não te parei imediatamente. Sabia que a nossa queda traria a certeza de uma adrenalina inebriante que nos assolaria além do tempo que gastaríamos caindo juntos, algo que já conhecia: uma descarga biológica de sobrevivência tão severa que chamaríamos ansiedade de Meu Amor.
Não pude, não poderia, não sabia se o buraco teria fim. Sofri semanas enquanto agrupava, no ápice da minha histérica paixonite, que antes estava desaparecida, sumida nos 7 anos em que senti quase nada, a coragem para te dizer: “tenho medo, não sei se consigo continuar, acho que vou me machucar”. Fui covarde, te falei ao escuro, para que eu não pudesse ver em seus olhos o abandono que sabia que viria. O Amor me disse palavras duras, educadas, mas que deixavam claro que o Amor era meu e só meu.
Não entendi de início, não podia acreditar que estava ali de novo. Eu havia reativado todos os meus sentidos que um dia bloqueei e, agora, sentia em plenitude, novamente, um vazio de sentido. Me senti alvo de crueldade – eu jamais faria isso com alguém, pensei, sem saber se sequer já havia feito na vida sem querer. Senti novamente meu corpo gritando para que eu sumisse junto àquela irracional certeza de que o melhor estava agora no passado. Me prendi à esperança boba de que você voltaria para me salvar de você mesmo.
Entendi, Amor, que não era você que necessariamente amava. Amava quem você despertava em mim: uma pessoa doce, generosa, relaxada, risonha e carinhosa, que te mordia como um pequeno gato filhote toda vez que passava um membro desatento e próximo o suficiente para que eu pudesse te atacar com meus dentes. Aquela mulher, que se sentia perfeita no presente, sem futuro, nem passado nela, é o Amor. E ela sou eu. E por me mostrar isso, eu te agradeço.
Sei que nos encontraremos de novo, pois eu sou você, e você sou eu.
Até breve,
Amor