Divagações - I -
* Aqueles olhos continham a saudade. Guardavam a mentira e a verdade. Traziam a ilusão e a sinceridade. Falavam de vivências e de mocidade. Aqueles olhos continham a serenidade. Guardavam a ironia e a sagacidade. Traziam a astúcia e a ingenuidade. Falavam de experiências e de banalidade. Aqueles olhos continham a bondade. Guardavam a compaixão e a maldade. Traziam a lentidão e a velocidade. Falavam de fantasia e de realidade. Ah, aqueles olhos, eram de tirar a tranquilidade. Jogar ao ar os medos e querer a tempestade. Gritar, voar, contar segredos e criar calamidade. Depois sorrir, em riso e choro, sem qualquer vaidade. Depois partir e querer voltar - sim, com ansiedade. Depois voltar, amar e sofrer - sim, esta a dualidade. Ah, aqueles olhos, pareciam estar em constante despedida, mas sabiam que ficariam para sempre - para toda a vida.
* O andar e o silêncio. Apenas os passos compassados, com o passado. O pensamento rumoroso, juntando todos os sons. Os sons. Os sons. E novamente o silêncio, quebrado pelo vento na rua vazia. Assim prossegue a sua figura esguia, como quem espia não sabe bem o quê. O vento desafina e desafia - nova esquina. E esta gente que não há? Quer um lugar, qual lugar?, um qualquer, o que estiver ao alcance da mão - de mão com a solidão. No silêncio, a andar. O andar e o silêncio.
* Aquela carta dizia coisas lindas e marcantes. Era encantadora demais. Dirigia-se a alguém com tal precisão, que nem era mesmo preciso constar em parte alguma quem era. Quem a lia, tinha a certeza de que era para si. Sentia-se atingir profundamente. O seu conteúdo causava algo incomum: jogava abruptamente ao espaço todo o pensar, todo o sentir de quem a lesse, em verdadeira sublimação, em estado de êxtase. O ato reflexo, após a leitura, era soltá-la - delicadamente, mas soltá-la. Como se a sua missão estivesse cumprida. O teor dos dizeres invadia a alma de tal forma que o papel nada mais significava. Um deslize involuntário do autor deu início a tudo isso: ele se esqueceu de assinar a carta. Desde a primeira leitura, como um ritual, ela levemente continua conduzida pelo vento e tem transformado a vida de inúmeras pessoas.