Amanhecerá
O ar entrava e saía dos meus pulmões, enquanto eu tirava o teto do quarto tarde da noite sem conseguir pegar no sono. A cada inspiração, um pouco de cólera egoísta invadia meu peito, enquanto que, a cada expiração, o bom senso tentava me acalmar. Na cabeça, o conflito entre o querer fazer o certo e o me sentir de algum modo injustiçado me levava a tomar as piores decisões possíveis, mas eu resistia a reconhecer isso.
Madrugada adentro, o cansaço me consumia. Era quase como uma punição viver a inquietude daquele silêncio noturno. Nem mesmo a avenida costumeiramente barulhenta ousava perturbar a falsa paz que reinava do lado de fora e se agigantava dentro de meu quarto. Como um monstro que invade sonhos infantis, o torturante silêncio fazia-se o próprio pesadelo que eu mesmo havia criado.
Os pensamentos, traiçoeiros, carrascos dessa prisão chamada mente humana, ora procuravam por argumentos irreais para justificar um ponto de vista, ora compreendiam que não fazia sentido agir daquele jeito. Ainda assim, o ego de quem nunca gostou de estar errado alimentava essa dualidade inútil que só existia para plantar discórdia e colher discussões.
O relógio girava, as horas passavam e, ainda que fossem três da tarde, seguia sendo noite aqui dentro. E assim o era porque eu mesmo permitia ser, porque eu não abria a cortina que escondia o sol, porque eu não destampava o ouvido para escutar seu chamado. Era noite porque eu não me permitia amanhecer, já que amanhecer significava abrir mão do querer estar certo.
Foi então que entendi que esse não era o eu que eu desejava ser; esse era o eu que eu havia me permitido me tornar nesses dias. Em vez de querer estar certo, era preciso fazer o certo. Para alcançar a calmaria, era necessário sair do lugar e atravessar a tempestade. Assim a primeira luz da aurora apontou no horizonte.
Sei que ainda é noite aqui, mas tento caminhar para o lado em que o sol nasce, tendo o amor como bússola. Como bagagem, levo o coração pulsante, a paixão como guia e a disposição para viver sempre um dia ensolarado, ainda que o relógio marque nove da noite.