O barqueiro
No crepúsculo das horas, ele surge - uma sombra longilínea que desliza sobre águas insondáveis. A névoa se abre à sua passagem, revelando o brilho de um manto negro que abraça o vazio. Seus olhos, como duas cavernas preenchidas pelo vazio, carregam o peso das almas que já o viram de perto. Em suas mãos, o remo parece feito de ossos antigos, o silêncio que o envolve faz o mundo reter o fôlego, as batidas do coração suspensas entre o desconhecido e o inevitável.
Cada movimento gracioso, cada remada, é uma sentença, um lamento antigo. Os que o aguardam, hesitantes à beira da margem, sabem que ele os conduzirá para além das marés do tempo.
Mas não é a Morte que chega, imponente, fria e implacável - é a Vida que se despede, reverente, antes de se entregar ao rio eterno.
O barqueiro segue indiferente, enquanto a Vida parte em seu barco rumo ao abismo silencioso, onde o que foi deixa de ser e o que virá ainda não se sabe.