Poderíamos morar dentro daquele banheiro imenso.

Poderíamos morar dentro daquele banheiro imenso.

Duas duchas e uma cuba sobreposta em uma bancada de mármore acastanhado com qual nenhum dos dois havia sonhado.

Poderíamos dormir abraçados dentro daquela banheira comprada com alegria e a prestações tardias.

Quantas vezes dividimos uma franzina cama de solteiro em outras casas que não aquela, cujo pé direito nos remetia a uma catedral banhada em luminosidade perpétua.

Uma imensidão de tijolos deitados, paredes grossas, fundação esmerada, muita reza e simpatia.

Construímos o nosso desfecho em agonia subestimada.

Certa vez, quando a hora findoura se estendia no limiar da luz diurna, e fauna e flora se harmonizavam para os hábitos naturais noturnos, chorei sozinha naquele banheiro imenso.

Em desespero profundo, chorei a perda de uma vida inteira.

Pergunto-me agora se alguma vez você chorou ali dentro.

Dentro daquele quarto imenso.

Móveis de antiquário.

Sapatos coloridos e turbantes pendurados.

Meu maior tesouro eram os cadernos de anotações ao lado da cama.

Custa-me a força de 300 espartanos acreditar que todos aqueles anos não foram um ledo engano.

Pergunto-me se alguma vez o revestimento floral do banheiro social presenciou outra dor que não a minha.

No quarto ao lado havia uma máquina de costura.

Você me ajudou a fazer corações.

Chorei sozinha em meio a sobras de pano, agulha e linha.

Não tenho saudades da vida que não tivemos, mas preciso saber se você chorou.

Se em desgosto profundo se culpou pela destruição do mundo, enquanto a catedral trocava olhares difusos com a rua pacata.

Você chorou a nossa desgraça?

@literuaitura

(Trilha sonora The Wonder Of You - Billagers)