Assombração de Fogo
No breu da noite, sem vela acesa,
Lá vem a história, e a rima, surpresa!
História de alma penada, assustando o sertão,
Mas não é medo que nos prende ao chão.
É o riso solto, o riso atrevido,
De quem brinca com o terror fingido.
Na tapera antiga, sem porta e sem luz,
Corpo Seco grunhia, mas faltava o capuz!
— Quem vem aí? — gritava o menino esperto,
Mas o fantasma tropeçou no alçapão aberto.
No espelho da sala, à meia-noite rezada,
Tentavam ver a Morte, mas ela estava ocupada.
O reflexo que apareceu, na verdade, era João,
Com a cara cheia de farinha e um chapéu de algodão.
No terreiro deserto, a lenda do lobisomem corria,
Diziam que ele uivava sempre que a lua subia.
Mas era só o cachorro, que achou uma tigela,
E a lua? Só o velho lampião e a brasa na panela.
Os desafios então eram de dar calafrio:
Cemitérios e cruzes, cada um mais sombrio.
Mas no final, quando o corajoso voltava,
Era com barro na cara e a calça rasgada.
Ah, as visagens, tão feias, tão frias!
Eram amigos de lençol, plantando fantasias.
O susto do dia durava até o sol nascer,
Mas logo virava piada no amanhecer.
E assim ia a vida, com susto e folia,
Assombração e risada virando poesia.
Se o medo corria rápido, a graça o alcançava,
Na roça, onde o riso sempre se renovava.
Helena Bernardes, outubro 2024