Mônada
Caminho com a voz e, com ela, geometricamente cedo com um cachecol a ideia da palavra de poder. Tampo e esquento a garganta — mas nem sempre com isso — escondo a profundidade de minhas palavras. Cada enunciado que sai de nossas bocas é de importância fulcral ao espírito humano. Desde a piada mais leve a crítica mais feroz; do esboço de uma sensação na forma de cenhos ou sorrisos. Até a paixão que um dia já causou ira. Assumo, em máxima ironia, a minha contradição: ao mesmo tempo que busco a escuta ativa e a responsabilidade com que digo, sepulcro isso e dou vida à devassidão das emoções humanas — o ódio. Desprezo, e sinto vontade de aniquilar os contrários.
Complexo e místico como somos, deveríamos, ou pelo menos considerar, o outro como reflexo da mônada que somos. O outro nunca foi o espelhamento que deságua nos rios de nós mesmos. Narciso só pôde plantar-se quando entendeu a composição do todo como cicatriz da existência humana. Floresceu não sendo Narciso — mas sendo unicamente Narciso. É na diferença a produção de igualdade.
Tento abandonar a noção de dualidade. A tragédia, como conceito, foi espumada no instante que a humanidade esquartejou a si em fragmentos. A partir daí, tornamo-nos uma série maquínica de desencontros.
Na nevasca torrencial de palavras, assumo a contrariedade como reino das possibilidades. Só posso ser eu quando respeito os limites do outro. As colheitas das minhas ações regam o amor diante os supostos contrários.