A alma nua esquecida na cinza metrópole
Em um canto esquecido da cidade, debaixo da marquise ou de algum viaduto, tenta sobreviver, esfarrapado, com fome, aquele que um dia almejou ser um alguém muito antes de tornar-se um algo, um objeto sem serventia para os transeuntes da grande metrópole cinzenta e barulhenta. A melancolia, vistas em seus olhos profundos e escavados pela fome, é uma tatuagem eternamente marcada na sua alma que busca uma esperança que se afasta a cada passo em direção ao final trágico que o espera, certamente, com a cara mergulhada na sarjeta. As mãos, endurecidas pelo trabalho infrutífero, agora só servem para serem esticadas para o primeiro vulto que passar pela frente, é só o que lhe resta – a esmola. A cada dia, um lamento silencioso, um grito abafado pela indiferença do mundo. A vida, que um dia já foi bela, cheia de planos, virou nada mais que puro desengano.
Encontra-se em exílio em qualquer lugar que esteja e solitário mesmo na companhia de outrem. Sua dor, vem de uma ferida aberta que sangra a cada lembrança que aos poucos se esvai como a névoa matinal após os primeiros contatos com a luz solar de uma manhã de verão que, em vez de trazer clareza e nitidez ao olhar, traz o fedor de seus trapos que leva consigo ao corpo magro e corcunda.
A rebeldia, que outrora era uma chama ardente em seu coração, deu lugar a um sentimento de esgotamento advindo do fardo pesado que sufoca e se instala no âmago do seu ser. A submissão perante a vida, um conformismo forçado pelo poder de aceitação ao sofrimento, paralisa e aprisiona o sentido de apreensão do mundo a sua volta. Quem sabe um pedaço de pão ou um gole de cachaça não o rivogoraria e o fizesse novamente um pedaço de homem.
E assim, minuto após minuto, sua existência se arrasta insuportavelmente. Exausto, nos escombros de sua fantasia em desatino, a morte, antes um fim distante, agora se aproxima, um alívio para uma alma torturada. E a cidade, indiferente, segue seu ritmo frenético, enquanto ele, um mero fantasma, se dissolve aos pés da multidão num domingo de eleição.