ensaio #1 - chuva
lá fora chove, pela primeira vez em muitos meses; lá fora chove, numa culminância quase síncrona, quem sabe mensageira, co'a dum movimento inominável do que chamo minh'alma. movimentação essa que aproxima-se, pode ser, da circulação que realiza a fleuma - mas mais viscosa e opalescente, 'inda que intangível. nos dias de chuva faz-se febril, agitada - o verde é mais escuro e sobe do mundo um sépia fragrante. o livro anuncia-se vivo no buraco da traça e outra vez arrepia-me a sincronia. vibro febril. vibro em ânsia viva, em fervor luciferiano; vibro em fraternidade plerômica.
manifesta-se suave, gentil; mas no olho do rodamoinho sei-o de revoltosa intensidade. quando chove e visto certa roupa, quando chove e a cidade é pós-chuva, arreganhaço os dentes e sugo cada tom - abandono todo capricho cínico e tão-só sugo, sugo, sugo. quando chove, esta chuva primaveril e enevoada, quando chove e a dor faz-me ente vivo, quando chove a chuva fria, fina, fugaz, quando tudo que desejo (e, por Deus, talvez só isso posso verdadeiramente dizer que desejo) é estar à janela a olhar a chuva - então, e só então, o mundo é brevemente meu.