A última página de um poeta

Recordar é viver! Assim diz, nostálgico, algum poeta de joelhos cansados que não suporta mais o fardo da vida em suas costas, onde todas as paixões que afloravam e emanavam dos poros de sua pele embebida no sol mediterrânico da flor da juventude já não passam de memórias longínquas e fugazes. Recordar é viver é o hino que ecoa distante, monótono e fraco nos recônditos de sua alma quase desaparecida no tempo, arrastada no eterno devir da existência, confundindo-se com seus mais belos sonhos, com as mais tristes desilusões e com os mais doídos amores. Ah, os amores! Quantas vezes não se entregou de corpo e espírito no mar de fogo dos desejos arrebatadores, queimando em brasas intensas e se consumindo em cinzas frias que se espalham ao toque do vento mais brando.

Recordar é viver! Quantos dias e noites embriagado pela melodia doce e suave que reverberou em ondas sonoras de banquetes e folias do mais puro hedonismo. E agora, estirado em seu leito de morte, com a caneta segurada sem firmeza por uma mão enrugada e trêmula, buscando as palavras que retratem essa última possibilidade de transcender por meio deste último refúgio às portas da imortalidade, tenta achar a força que o guiará através das trevas.

Escrever é a forma de celebrar a vida, contrastando as contradições do ego. Escrever sempre será uma forma de encarar e desafiar a morte, para quando, finalmente, fechar os olhos e enterrar toda melancolia que restou. Essa morte, fria e implacável, se aproxima como um fantasma que de tempos em tempos toca as portas do inferno e que não tardará para levar o poeta para beber das águas do Aqueronte, para então, aceitar a finitude e a certeza de que sua obra foi um retrato fiel de sua vida.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 09/10/2024
Reeditado em 10/10/2024
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