Dona Angélica ligou o rádio e um perfume doce e intenso a envolveu, como um abraço familiar. O vento suave sussurrou promessas de aventuras passadas e, num instante, ela se viu transportada para os anos 70.
Os cabelos volumosos de jovens dançarinas balançavam ao ritmo da música que ecoava de um clube ao fundo. Luzes coloridas piscavam, iluminando a noite, enquanto os corpos se moviam em sincronia com a batida. Ela sentiu o coração acelerar, como se a juventude tivesse voltado.
Com um vestido estampado que parecia dançar à sua volta, Angélica caminhou pela calçada, observando a liberdade nos olhares dos jovens. Ali, em meio ao barulho e à alegria, reencontrou-se. Riu com amigos que não eram, mas eram, sorriu para rostos que nunca viu, mas que pareciam familiares.
Nas conversas, percebeu que as preocupações do presente se dissipavam, como fumaça de um cigarro ao vento. As cicatrizes da vida se tornaram histórias, e, no calor da lembrança, reviveu seu primeiro amor, aquele que já não estava entre ela, mas que habitava suas memórias com a mesma intensidade das luzes que piscavam ao seu redor. O passado, com suas cores vivas, desenhava um futuro mais leve.
Enquanto olhava nos olhos de um jovem que dançava próximo, notou um brilho especial. Aqueles olhos, quase angelicais, eram como janelas para uma alma pura, refletindo um encanto que ia além da juventude. “Olhe dentro dos seus olhos angelicais, basta um olhar e você fica hipnotizada”, ela pensou, sentindo-se flutuar.
Mas, como todo sonho, o tempo não parou. A música começou a diminuir, e ela sabia que era hora de voltar. Antes de partir, fechou os olhos e respirou fundo, absorvendo cada risada, cada olhar perdido. “Às vezes, quando estou sozinha, fico pensando nele”, lembrou-se, com um sorriso melancólico nos lábios.
Quando finalmente abriu os olhos, estava de volta à sua casa, com o cheiro do café fresco no ar. Mas havia algo diferente nela — uma chama reacendida, um sorriso que dançava em seus lábios. Porém, ao olhar em volta, percebeu que a única música que tocava era "Angel Eyes", do ABBA.
Naquele momento, dona Angélica entendeu que não importava a época ou o lugar. O que realmente contava eram as memórias que a música trazia, e como cada acorde a levava de volta àqueles dias coloridos, eternamente gravados em seu coração. “Não olhe tão fundo dentro destes olhos angelicais”, pensou, mas não conseguia evitar. Afinal, aqueles olhos tinham o poder de transformar a dor em alegria, e cada olhar refletia a essência da vida que sempre esteve ali, esperando por ela.