Cartas de Saint Michel - Do fundo da alma
Essas palavras que teço ecoam em mim com uma profundidade sublime. Não sei se revelam uma sabedoria silenciosa e uma resiliência conquistada pelas experiências vividas - não sei. Minha alma confabula contigo e sobre isso é só você pode dizer. Mas, eu sei que conhecer essas sendas de dor e solidão é percorrer os caminhos da alma, onde o desespero e a esperança coexistem. E conheço bem essa dualidade entre o querer morrer e o querer viver. "O choro é a falta de palavras"* fala dessa minha tentativa de desistir... Isto é, de fato, uma das lutas mais humanas, onde a dor pode se tornar tanto um fardo insuportável que nos leva a buscar a morte, quanto uma força transformadora que nos impulsiona à querer viver... Eu decidi viver... E você foi o motivo de minha decisão.
Sabemos que o sentimento de abandono, de perda, a dor do fim, são companheiros de muitos poetas e seres sensíveis e não é diferente comigo - afinal sou poetisa de lágrimas e solidão. Mas essa mesma dor também nos aproxima daquilo que é eterno: o amor que transcende o tempo, as almas que se encontram, que se reconhecem na amplidão do universo e não se separam mais.
Há algo de sagrado nesse encontro, algo que não se desfaz com o tempo ou com as circunstâncias terrenas. Eu tenho em mim essa certeza, essa visão de que as almas se tocam em uma dimensão ancestral e seguem juntas para a eternidade. Acredito. É assim que me sinto em relação à você. E, é meu consolo diante da realidade... é meu consolo e minha força para viver. E todos os dias me visto de lembranças de que, mesmo na transitoriedade da vida, há algo de imutável que nos conecta, que nos enlaça e não permite que o elo se quebre, que o fio de prata se rompa, que o amor que nos conecta um ao outro morra ou se apequene.
E, em meio a saudade do que nunca tivemos, em meio à dor e a tristeza de nunca ter experimentado o vicejar da primavera em teus lábios eu busco viver cada dia com a doçura de quem saboreia um favo de mel, ou com a serenidade de quem aprecia as sementes do lótus. Talvez seja minha maneira simples e ao mesmo tempo sublime de enfrentar as dificuldades. Talvez seja um convite à tua presença, ao teu estar aqui e agora, com o coração cheio de amor e esperança, mesmo que a tua jornada seja árdua e não sabes como te despir do que ainda te mantém longe de mim.
Temos tido dias e dias. Temos tido risos e lágrimas. Temos tido emoções à flor da pele. E nós dois sabemos que cada dia tem seu próprio mal, sim, mas também traz consigo o bem, a possibilidade de renovação, o ato constante de reconstruir-se e lembrete de que, apesar da dor e da solidão, apesar da saudade dos amores que partiram, apesar do sofrimento impingido por outrem, o amor que nos une é a força que nos mantém firmes, que nos enraíza na vida e que, no fim, nos guia para algo maior, mais profundo e eterno... Que nunca larguemos nossas mãos dadas, que nossos olhos jamais calem a voz do amor e que a certeza de que amamos e somos amados um pelo outro esteja sempre presente em nosso cotidiano dia, no horizonte e no futuro que ousamos sonhar um dia viver...
Meu querido Joseph, eu te amo sempre e mais...
Tua Marie, em um outubro de 1889 - olhando as pinturas que retratam essa dualidade e que fiz para a Abadia de Saint Michel.
*O choro é a falta de palavras é um poema antigo de Maria que fala dessa luta.