Saudade da dor

Há dias em que o silêncio se alarga, como um corpo em carne viva que não sente frio. A ausência de dor é um vazio que ecoa; não há pulsar, não há brilho, não há vida. A dor, velha companheira, é a prova de que ainda sou, de que ainda estou. Quando ela se cala, algo mais em mim silencia junto.

A dor física era um grito, um lembrete nítido de que existo. Agora os gritos são outros, silenciosos. São os pesos invisíveis, as ansiedades que não choram, as frustrações que se afogam em cada apático piscar de olhos que encarcera uma lágrima. É o cansaço de uma mente que se arrasta, muda e sem feridas para mostrar, mas exausta de carregar o que não pode ser visto ou ouvido.

E se nem mesmo a dor me alcança mais, pergunto-me: estaria eu morto? "Vivo" nessa ausência, nessa anestesia do existir. Porque só quem já partiu não sente. Se não há dor, não há confronto, e sem confronto não há ser e nem prazer.

É preciso sofrer, um pouco ao menos, para saber que ainda estamos aqui, vagando entre a carne e o vazio.

Betaldi
Enviado por Betaldi em 03/10/2024
Código do texto: T8165288
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