Entre ventos e silêncios

Desejo construir afetos possíveis. E, confesso secretamente, também os impossíveis.

Os improváveis ou inomináveis... Por que tudo tem que ter nome? Conceito? Princípio e

fim... O tempo é uma ficção convencionada. A vida uma lastro de existência embalsamada

em história, geografia, língua e cultura. Há tanta metafísica na sala de estar. O

menorá. A estrela de Davi. O olho que tudo vê... E, a alma a espreitar ritos desesperada

e com medo de errar qualquer gesto ritualístico.

Desejo construir afetos no vento, no contratempo, na vírgula abandonada em meio do parágrafo.

Não importa se é correspondido ou não? Se há serventias ou lucros? Se há barganhas discretas ou

escrachadas... Quero ser o que sou, sem importar-me com as críticas. Com nariz torcido, ou o ar

de reprovação social...

É cansativo esperar ser aprovada. Sempre fui a aluna de nota máxima. Sempre esperavam muito de mim.

Mas, toda a expectativa alheia, incomodava-me... Tolhia-me... E, tinha mais silêncios do que palavras.

Eu tinha mais reticências do que caminhos a seguir. No fundo, a minha inaptidão social deixava à esquerda

do cenário, a observar bizarrices e rir discretamente...

Preciso treinar a pose da Mona Lisa, seu olhar impassível. Lânguido e até geométrico, a olhar o enclave

do universo. Ao olhar montanhas e planícies. A afundar-se em si mesmo, na recôndito da alma.

Trancar-se e depois sair para sorver significados. Semânticas abandonadas por presságios ou apenas

por armadilhas risíveis.

Amar, desamar, amar de novo, desesperar-se... depois, desamar novamente, como se fosse uma dinâmica cabal

ou finalística. O que foi aquilo que senti? De onde veio tamanha aptidão para ter afetos banais.

E, outros tão sofisticados... Minhas questões são respondidas pelos ventos e silêncios.

Fui uma criança estranha. Um adolescente ensimesmada... e, um adulto antissocial.

Festas e barulhos incomodavam-me... Perguntas inconvenientes... a face articulada pelas sobrancelhas...

e a cor do batom a gritar sozinha por atenção... ainda que estivesse borrada.

Amanhã quando uma nova esperança chegar. Terei esculpido na janela meu mais novo afeto... um pássaro que

canta na primavera, a espera de novas sementes, novas frutas e, principalmente, novos voos.

Tudo é uma espera entre ventos e silêncios.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 02/10/2024
Reeditado em 02/10/2024
Código do texto: T8165116
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.