Novas madrugadas virão.

É madrugada. O frio corta a alma, como assim se costuma dizer.

O inverno foi mais rigoroso este ano, muitos morreram pelo frio, nas calçadas.

Morreram pelo frio que congelou seus corpos e pelo frio das relações humanas...

 

Não os conhecemos, não sabemos quem são.

Não são sangue do nosso sangue.

Não frequentam o nosso meio,

Não se alimentam nas nossas mesas.

 

Não os vimos nos cursos que frequentamos,

Não possuem os mesmo diplomas que temos.

Não os encontramos nas lojas e supermercados.

Não nos encontramos nas reuniões de condomínio.

 

Não ficamos em filas, não utilizamos transportes públicos.

Temos gosto refinado para pratos e bebidas.

Usamos talheres de prata maciça, sempre brilhantes.

Nosso carro é "insufilmado" e blindado.

 

Vamos ao teatro, em shows reservamos sempre camarotes.

Gostamos da privacidade. Afinal, é nosso direito.

Selecionamos pessoas em nosso círculo de conhecimento,

Afinal, a vida é sempre um eterno negócio.

 

Vemos assustados nos noticiários,

Reportagens sobre morte nas ruas,

Pelo frio, pela fome, pela violência.

Por que essas pessoas não procuram abrigo?

 

Já contribuímos para a compra de cobertores,

Mas essas pessoas sequer tomam banho.

Usam roupas sujas, não se cuidam.

Deixam as doenças tomarem conta de seus corpos.

 

Isso é culpa da ignorância.

Enquanto  dedicávamos nosso tempo aos estudos,

Eles iam a bares para se divertirem.

Veja só no que deu.

 

Talvez iremos contribuir para a compra de alimentos.

Afinal, o que custa uma sopa?

Assim, não seremos culpados por nada.

Vamos fazer o que considerarmos como sendo nossa parte...

 

Novas madrugadas virão. O frio cortará a alma, como assim se costuma dizer.

O inverno será mais rigoroso nos próximos anos e muitos morrerão pelo frio, nas calçadas.

Morrerão pelo frio que congelará seus corpos e pelo frio das relações humanas...