Inventário
Aonde foram todas as estrelas do céu hoje?
— Disse ela enquanto fitava o horizonte pálido,
cinza de todas as fumaças do mundo sobrepostas.
A resposta veio em forma de um pensamento:
— Talvez as estrelas não tenham ido a lugar algum,
talvez estejam escondidas,
veladas por uma cortina que nós mesmos erguemos.
Será que, em algum momento, nos esquecemos
de como olhar para cima?
Ela suspirou, como quem busca respostas no ar,
e, por um instante, parecia que o próprio horizonte a ouvia,
guardando silêncio como um sábio que sabe muito,
mas fala pouco.
— E nós? — continuei,
— Aonde fomos, quando paramos de nos ver?
Não há estrelas em um céu coberto de fumaça,
assim como não há clareza nas relações
quando nos envolvemos demais
em nossas próprias tempestades.
Será que, como o céu, nos deixamos cobrir
por camadas de expectativas,
de medos, de desencontros não falados?
Ela virou-se para mim,
os olhos buscavam, mas não exigiam,
como quem deseja compreender, mas sem pressa.
Havia uma sabedoria silenciosa ali,
algo que eu ainda estava tentando aprender.
— Talvez seja isso, então, — ela murmurou,
— talvez a fumaça que vemos no céu
não seja tão diferente da que criamos entre nós.
E as estrelas... bem,
talvez nunca tenham desaparecido de fato.
Elas apenas se retiraram,
esperando o momento em que conseguíssemos dissipar as nuvens.
Ficamos em silêncio por um tempo,
cada um mergulhado em seus próprios pensamentos,
mas estranhamente conectados,
como se nossas mentes estivessem traçando um mapa invisível
das influências que deixamos uns nos outros,
das marcas que, como pontos cintilantes no céu, brilhavam
em algum canto escondido de nós mesmos,
ainda que não pudéssemos vê-los de imediato.
— Eu penso, — disse ela, quase para si mesma,
— que somos todos como estrelas,
mas a diferença é que podemos escolher quando brilhar,
e quando nos esconder.
Mas por que, então, tantas vezes nos apagamos
quando mais precisamos iluminar uns aos outros?
— Talvez porque esquecemos que nosso brilho não é só nosso,
— eu respondi,
— ele se reflete nos outros.
Às vezes, uma estrela precisa da luz de outra
para lembrar-se de que está ali,
pronta para brilhar,
mas esperando ser vista, ser chamada de volta à existência.
Mesmo que no escuro, ouvia seus lábios se mexendo em um sorriso pequeno, quase imperceptível,
mas verdadeiro, como quem compreendeu algo profundo.
A noite começava a cair,
e, lentamente, como se soubessem que seu momento havia chegado,
as estrelas voltavam a surgir,
uma a uma, tímidas e hesitantes,
mas certas de seu lugar naquele horizonte insípido.
— Somos estrelas, — disse ela finalmente,
— mas às vezes somos também o próprio céu,
capazes de esconder ou revelar aquilo que existe dentro de nós
e nos outros.
Talvez, ao dissipar nossas fumaças,
possamos enxergar não só as estrelas do céu,
mas as que habitam cada um de nós.
E assim ficamos,
olhando para o céu que, de tão vasto,
parecia espelhar nossas próprias almas,
cheias de segredos escondidos nas nuvens,
de luzes que às vezes se escondem,
mas que nunca deixam de existir.