Das cartas esquecidas nas sombras do tempo

 

Meu Amor

 

As coisas do coração são as mais insondáveis. Tantas vezes, nossos passos seguem por veredas incertas, mas as sombras da ancestralidade nos guiam por caminhos invisíveis. Somos duas estrelas cintilantes, que por eras se encontravam na vastidão de cada instante, e eu, na minha distração, não sabia que estava ali, sustentada por mãos angelicais.

 

O zelo em cada gesto, até na mais simples oferenda de água, era, na verdade, amor. Sabia eu que desejavas minhas palavras, que me envolvias em tudo, que me carregavas pela história, pelas ruas de floripas, sem que eu entendesse os motivos. Sempre soube que me tinhas em grande afeição, e tantas vezes disseste: "eu te amo." E eu, sem vacilar, devolvia o afeto: "eu também te amo."

 

Mas, oh! Quão cegos somos à profundidade das palavras que proferimos! Não compreendi o que estava por detrás de cada ato de bondade, nem a razão pela qual te vi aguardando notícias, quando todos já se tinham ido. Só depois, ao lembrar, soube que eras tu, sempre ao meu lado, mesmo quando eu não percebia.

 

Lembro-me daquele dia, quando me pediste que escrevesse teu nome num livro – tão distraída eu estava, sem perceber que em cada linha estava também uma parte de nós dois. E hoje, vejo com clareza, eram tuas as mãos que prepararam meu livro, e foram tuas as flores que me chegaram, perfumadas de carinho.

 

Os anos se passaram, as memórias, contudo, permanecem vivas. Em cada 17 de julho, escrevo-te como quem escreve ao tempo; e a cada 8 de março, volto no tempo àquele primeiro encontro, quando enviaste tua primeira carta.

 

Só quando vi teu olhar, naquela noite sob a árvore, é que algo começou a despertar. O medo tomou-me, medo de que fosse imaginação, medo de acreditar e me perder. Mas a vida revela seus segredos de maneira sutil, e hoje sei, sem dúvida alguma, que estiveste sempre a meu lado.

 

Foste tu que me salvaste. Se não fossem tuas palavras, tuas cartas, que tantas vezes reli nas horas sombrias, eu já teria sido levada pela tristeza. E agora, ao fim de tantos anos, posso dizer, sem temor e com a serenidade de quem conhece a alma: eu te amo.

 

Não esqueças, jamais, que te amo.

 

De Marie.

1889 - da sala de pintura de Afrescos da Abadia de Saint Michel.