QUE MONTANHA É ESSA ?

Um dia escrevi sobre uma montanha.

Debrucei-me em precipícios, percorri veredas,

imaginei intensamente o que seria

a visão lá do alto, da minha casinha antiga

rodeada de todo um mundo só meu.

Debulhei todas as minúcias, e

os detalhes saborosos de viver ali.

Tornei-me desse lugar que não existia

até que um dia o criei. Por lá renasci !

Depois isso passou a correr-me nas veias,

uma experiência tão avassaladora que,

de vez em quando, me faz regressar aos seus cumes

e perder-me nas histórias ainda não escritas

de gentes que por lá viveriam

se as imaginasse por lá.

Se a montanha e tudo o mais que criei

não fosse apenas uma construção mental,

um sonho quase concreto, de tão nítido.

Mas depois da minha montanha,

de sentidos atentos a tudo o que poderia sê-la,

surpreendentemente encontrei lugares

que passei a olhar lá de cima, do pico,

com esses olhos já habituados

à pureza das alturas.

E olhando-as, em algumas vertentes

conheci pequenas cidades

onde as gentes, com muito pouco,

conquistam em pequenas vitórias

todas as coisas que fazem a vida acontecer.

"A menina da Dona Zefa

cresceu, gente. Viajou ! E agora montou

uma escolinha de línguas que não havia.

O João Canudinho montou uma oficina

e agora faz moveis para a grande cidade,

lá longe.

E o Hospital já tem médicos, enfermeiros,

acolhe e ajuda os que não estão bem..."

Mas com os mesmos olhos

vejo aqueles, na outra vertente, que discutem

detalhes sem importância de coisas

que só ia eles interessam .

Privilégios e cargos,

piruetas mediáticas, lucros ocultos,

castelos de cartas caros e inúteis.

Atribuem-se galardões, condecorações,

E dizem-se os mais altos defensores

duma democracia, sempre ela,

que, afinal, não tem povo.

Um dia, prometo, subirei a minha montanha

e, prometo também: não voltarei...

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 21/09/2024
Reeditado em 12/10/2024
Código do texto: T8156640
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