QUE MONTANHA É ESSA ?
Um dia escrevi sobre uma montanha.
Debrucei-me em precipícios, percorri veredas,
imaginei intensamente o que seria
a visão lá do alto, da minha casinha antiga
rodeada de todo um mundo só meu.
Debulhei todas as minúcias, e
os detalhes saborosos de viver ali.
Tornei-me desse lugar que não existia
até que um dia o criei. Por lá renasci !
Depois isso passou a correr-me nas veias,
uma experiência tão avassaladora que,
de vez em quando, me faz regressar aos seus cumes
e perder-me nas histórias ainda não escritas
de gentes que por lá viveriam
se as imaginasse por lá.
Se a montanha e tudo o mais que criei
não fosse apenas uma construção mental,
um sonho quase concreto, de tão nítido.
Mas depois da minha montanha,
de sentidos atentos a tudo o que poderia sê-la,
surpreendentemente encontrei lugares
que passei a olhar lá de cima, do pico,
com esses olhos já habituados
à pureza das alturas.
E olhando-as, em algumas vertentes
conheci pequenas cidades
onde as gentes, com muito pouco,
conquistam em pequenas vitórias
todas as coisas que fazem a vida acontecer.
"A menina da Dona Zefa
cresceu, gente. Viajou ! E agora montou
uma escolinha de línguas que não havia.
O João Canudinho montou uma oficina
e agora faz moveis para a grande cidade,
lá longe.
E o Hospital já tem médicos, enfermeiros,
acolhe e ajuda os que não estão bem..."
Mas com os mesmos olhos
vejo aqueles, na outra vertente, que discutem
detalhes sem importância de coisas
que só ia eles interessam .
Privilégios e cargos,
piruetas mediáticas, lucros ocultos,
castelos de cartas caros e inúteis.
Atribuem-se galardões, condecorações,
E dizem-se os mais altos defensores
duma democracia, sempre ela,
que, afinal, não tem povo.
Um dia, prometo, subirei a minha montanha
e, prometo também: não voltarei...