A lâmina.
Hoje, um estímulo ensimesmado penetrou-me o cérebro. O vértice do meu pensamento rebentado encabeçou o espaço imaterial do meu neocórtex: a minha consciência, dolorosa e lentamente. Parece que verteu a sensibilidade do meu sulco central ao próprio encéfalo; o pensamento apalpou sensual e austeramente o seu fazedor. Ele incorporou ao lóbulo frontal do órgão sofisticado uma lâmina espessa e fosca que me refreou de viver. A minha mente se apossou de um estado letárgico, como se o ato de pensar tivesse sido impedido e as palavras jorrassem, como se já estivessem programadas. Constatei ser isso o sintoma de uma afasia. O elemento triangular, a ínsula, vibrou, contorceu-se e abriu uma fossa naturalmente, mas perdeu, esmaecidamente, a sua função própria. Eu não era mais eu, se é que já fui. O meu lóbulo occipital também foi afetado, e meus olhos, hiperfocados, desprendem-se para o nada. A minha visão engole, voraz e insaciável, tudo o que capta; tornou-se um vício. As minhas vistas enxergam a equidistância da circunferência dos olhos que se atraem aos meus. A apreciação dos seres pelo olhar virou uma compulsão. Ao longo desses sinais psíquicos, tudo tornou-se fragmentado, e o meu semblante não susteve forças para me compassar. Questionei-me: até quando pararei de voltar para mim? Será, já? Ou então: até que ponto será cômica a atmosfera-vácuo do mundo? Como uma peça teatral. Inconscientemente, apenas a forma passou a me importar e não o substrato; uma espécie de disposição indecente de encare.