Amargo Regresso
Eis que a distinção nos prende, ironicamente, em meio a tanta igualdade. Em um mundo onde a banalidade se veste de sabedoria, e a verdadeira sabedoria é rebaixada ao comum. Vivemos em um cotidiano que se arrasta, morto e desonesto, onde, tantas vezes, somos obrigados a nos tornar tão ordinários quanto ele, tão desonestos quanto a realidade que nos cerca. Dançamos conforme a música, sim, mas uma música que não escolhemos, cujos passos são ditados por uma presença desconhecida. Vamos, então, brincar de escrever, como quem brinca de existir. Incomodar-nos por amar, tropeçar nos próprios acertos, rir do que não tem graça, pintar quadros que só existem em nossa imaginação — e quais, afinal, não são assim?
Vamos olhar para os laços desfeitos e decorar um personagem que não somos. Quem foi que nos disse que não podíamos? Quem ousou nos banir de uma maioria que se autoproclama superior? E quando as cortinas estiverem sujas, rasgadas, eu peço: abra-as. Deixe que a luz entre nesse teatro que é o cotidiano, e que os dramas da vida se apequenem diante do talento que você, sim, você, emana. Mas, se a luz da comédia incomodar os sérios de espírito, feche as cortinas, apague as luzes do palco, e venha rir só para mim.
Que venham os gritos, que as palmas ensurdeçam, que os clamores me apaixonem, porque se algum dia confundi a vida com a arte, haverá sempre alguém, em algum lugar, que brincará de chamar a arte de vida.